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Cuidando do fogo e evitando incêndios no eterno país do futuro

Por Isabel Belloni Schmidt e Ane Alencar (*) | 03/09/2025 13:30

O Brasil se sente eternamente jovem, como se não precisasse ter pressa de se proteger. É essa alegada imaturidade que nos mantêm no topo dos países que mais desmatam no mundo. É nesse espírito de postergação que prosperam propostas temerárias, como o Projeto de Lei 2.159/2021, que tenta enfraquecer o licenciamento ambiental, abrindo caminho para ações destrutivas que nos afastam cada vez mais de um futuro desejável.

Por aqui, relatórios numéricos mostrando as consequências de nossas ações em séries históricas consistentes são raros, e muito necessários. Em 24 de junho, o MapBiomas Fogo lançou sua 4ª coleção, aprimorando o monitoramento da ocorrência do fogo no Brasil nos últimos 40 anos. Em 2024, foram mais de 30 milhões de hectares queimados, somente 700 mil hectares a menos que em 2007, o recorde da série histórica.

Incêndios descontrolados são prejudiciais para a natureza, para o clima e para todos nós, seja pelos seus efeitos diretos, como a fumaça que afetou milhões de pessoas em 2024, seja por seus impactos cumulativos em um planeta cada vez mais instável. O dado mais assustador do Relatório Anual do Fogo (RAF) de 2024 não é apenas a extensão da área queimada, mas o fato de quase 26% dessas áreas serem florestas nativas. Florestas ricas em animais e plantas, essenciais para a regulação climática e a produção de água, que, em 2025, já não cumprem essas funções da mesma forma.

Muitos desses incêndios foram criminosos e claramente associados a atividades de desmatamento e grilagem. É o fogo abrindo espaço para os tratores, para a invasão de terras, para a violência no campo. Notícias assim podem nos fazer pensar que o fogo é sempre vilão, devendo ser, então, evitado, proibido. Contraintuitivamente, uma das boas notícias relacionadas à prevenção e ao combate a incêndios em 2024 foi a aprovação da Lei 14.944/2024, que não proíbe mas, sim, regulamenta o uso do fogo, de forma controlada, planejada e responsável.

É permitindo e regulamentando usos controlados do fogo que conseguiremos punir criminosos que causam incêndios. Associado à Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) tivemos outros avanços, como mudanças na duração de contratação de brigadistas pelo governo federal (MP 1.239/2024), aumento das punições a quem causa incêndios (Decreto 12.189/2024) e linhas de financiamentos para que estados e municípios elaborem Planos de Manejo Integrado do Fogo.

A PNMIF se baseia em três pilares: o manejo do fogo, a ecologia e a cultura de uso do fogo controlado. A ecologia nos informa que alguns ecossistemas brasileiros conviveram com o fogo natural há milhões de anos. Nestas áreas, não florestais, de campos e savanas, onde capins cobrem o solo e convivem com árvores, raios iniciavam incêndios.

Esses eventos se espalhavam por grandes extensões, quando o ambiente ainda se encontrava em equilíbrio ecológico, sem grandes interferências humanas. Nesses ambientes, tentar evitar qualquer fogo faz capins secos se acumularem e virarem combustível para incêndios catastróficos.

Por outro lado, florestas nunca conviveram com fogo natural, já que a vegetação úmida e sem folhas finas e secas dos capins não permite que um fogo natural, iniciado por um raio, se alastre para grandes áreas. Por isso, florestas incendiadas viram florestas degradadas, empobrecidas e ameaçadas. Nas florestas, o fogo deve ser sempre evitado.

A cultura do fogo nos conta que a humanidade evoluiu usando fogo, para cozinhar alimentos e manejar paisagens. A série de dados do MapBiomas nos mostra que esse uso se tornou desordenado e predatório. Reconhecer o fogo como ferramenta de manejo é justamente planejar seu uso responsável. Já o manejo do fogo traz para a sociedade e para os governos em todos seus níveis a responsabilidade de uso racional do fogo.

Todo brigadista florestal e todo bombeiro sabe que o fogo é um péssimo patrão. Nos ameaça e faz trabalhar em condições insalubres. Mas ele pode ser um ótimo empregado. Quando bem manejado, o fogo controlado nos protege de incêndios e protege nossas áreas naturais.

Se assumirmos nossas responsabilidades de país mais biodiverso do mundo e nos comprometermos em ser de fato o país do futuro, as próximas séries de dados nos mostrarão um país que sabe usar o fogo e cuidar de seus ambientes naturais que restam. Para que nossa natureza possa continuar nos garantindo água, saúde e vida.

(*) Isabel Belloni Schmidt, bióloga e mestre em Ecologia e Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e integrante do MapBiomas, através do portal Correio Braziliense

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.