ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
NOVEMBRO, DOMINGO  16    CAMPO GRANDE 30º

Artigos

Vira-latas climáticos em tempos de COP30

Por Marcos de Vasconcellos (*) | 16/11/2025 13:30

Enquanto os líderes globais discutem culpados e caminhos para frear a marcha da extinção na COP30, um estudo me chamou mais atenção do que qualquer discurso noticiado: um paper divulgado pela Fundação Getulio Vargas mostrando como a nossa bioenergia tropical é frequentemente subestimada, para não dizer sistematicamente penalizada, pela regras adotadas por países desenvolvidos.

A conclusão é desconcertante justamente porque é simples. Quando avaliamos o ciclo de vida completo de um veículo —da produção dos parafusos ao descarte no ferro-velho— os carros brasileiros abastecidos com etanol emitem menos gases de efeito estufa do que veículos elétricos e híbridos produzidos e usados na Europa, nos EUA ou na China, mas as métricas usadas pela ciência internacional criam vantagens artificiais para estes.

A metodologia da FGV faz a conta do "berço ao túmulo". No Brasil, o etanol vem majoritariamente de uma cadeia renovável e de alta eficiência, enquanto a matriz energética nacional (que alimenta as fábricas e tudo o mais) se apoia em hidrelétricas.

Na Europa, a produção de veículos depende muito de carvão e gás; nos EUA, o gás é dominante; na China, o carvão ainda dita o ritmo da produção. Quando se coloca tudo no mesmo denominador, incluindo o combustível usado pelo veículo e a vida útil da bateria, a vantagem tropical aparece.

Mas essa eficiência é normalmente descartada por órgãos internacionais, porque os parâmetros são definidos por realidades que não são as nossas. Entre outras coisas, recriminam o uso de etanol por suporem que a área de plantio poderia ser de floresta, sem imaginar os pastos recuperados com cana-de-açúcar, por exemplo, ou sistemas de segunda safra.

Pode parecer um detalhe técnico, reclamar da conta feita para analisar nossos carros. Mas, veja bem, o setor de transporte é justamente o principal entrave para a descarbonização da economia brasileira, segundo a avaliação internacional da Climate Strategies. Eles apontam que o país não tem alternativa econômica para substituir o diesel em caminhões de longa distância.

Juntando os dois estudos, talvez tenhamos um bom caminho para encontrar nosso caminho na liderança do movimento climático, ainda que nossa opção por enterrar as ferrovias continue custando alto.

A conta para cumprir metas realistas de transição energética é cara. Segundo a Moody’s, o Brasil precisará investir até 2% do PIB (Produto Interno Bruto) por ano para chegar onde pretende em 2030. É um valor que obriga escolhas: onde investir, quando, e com qual retorno climático?

Seguir modelos importados, sem considerar nossas vantagens naturais e tecnológicas, pode ser a forma mais cara, e mais lenta, de descarbonizar.

Queremos liderar a transição energética global, mas acabamos de autorizar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, para abastecer as cadeias globais. Comentei em outro texto: é difícil ocupar o centro do debate climático quando o país-sede ainda resolve suas próprias ambivalências energéticas.

Nelson Rodrigues dizia que sofremos de "complexo de vira-lata", a sensação permanente de que só é bom aquilo que vem de fora. Talvez o primeiro passo para avançar seja justamente abandonar o vira-latismo climático e exigir que o mundo nos meça pelo que realmente entregamos.

(*) Marcos de Vasconcellos, jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado, através da Folha de S.Paulo

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.