Filhos de 2 desembargadores atuavam juntos para não levantar suspeitas, diz PF
Investigação aponta esquema entre os escritórios dos filhos de Vladimir Abreu e de Sideni Pimentel
O desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), Vladimir Abreu, afastado junto com outros quatro desembargadores por consequência da Operação Ultima Ratio, que investiga venda de sentenças, teve como um dos pontos centrais de investigação a relação suspeita com dos filhos dele, que são advogados, e com os filhos de outro desembargador, o presidente afastado do TJMS, Sideni Soncini Pimentel.
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A Operação Ultima Ratio, que investiga a venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), investiga o desembargador Vladimir Abreu por suspeitas de relacionamento com seus filhos, que são advogados, e com o filho do presidente afastado do TJMS, Sideni Soncini Pimentel. A investigação aponta para um esquema de favorecimento entre os escritórios dos filhos de Vladimir e o desembargador Sideni, com evidências de movimentações financeiras suspeitas, incluindo compra e venda de gado com notas fiscais consideradas "frias", além de depósitos em dinheiro vivo e confusão patrimonial entre o desembargador e seus filhos. A PF também encontrou indícios de que Vladimir teria vendido decisões judiciais em favor de empresários envolvidos em outras operações, como a "Lama Asfáltica" e a "Mineração de Ouro".
Os afastamentos foram realizados após decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). São alvos: Marcos José de Brito Rodrigues; Vladimir Abreu; Sérgio Fernandes Martins; Sideni Soncini Pimentel; e Alexandre Aguiar Bastos.
A investigação aponta uma relação “cruzada” entre Ana Carolina Machado Abreu da Silva e Marcus Vinícius Machado Abreu da Silva, filhos de Wladimir, com Sideni, e do filho de Sideni, Rodrigo Pimentel, também advogado, com o desembargador Vladimir Abreu, de modo que os escritórios dos filhos teriam vantagens em ações judiciais na mão do desembargador colega do pai.
A suspeita é fundamentada com vários registros de movimentação bancária, quebra de sigilo telemático, negócios entre os filhos e os pais e até o fato de o escritório de Ana Carolina e Marcus ficar no mesmo prédio do de Rodrigo Pimentel.
Um dos trechos da investigação mostra um negócio suspeito entre Ana Carolina e Marcus e Sideni Pimentel. Em 2019, os irmãos teriam comprado 102 cabeças de gado de Sideni no valor de R$ 112.467,04. A PF averiguou que foram emitidas cinco notas fiscais por Sideni desta venda.
O pagamento foi feito por Marcus Abreu entre março de 2018 e janeiro de 2019. Seguindo o caminho do dinheiro, verificou-se que o valor foi transferido da conta do escritório dos irmãos, Machado Abreu AD Associados, para conta de pessoa física de Marcus e desta conta para o desembargador. Todos os depósitos foram fracionados e feitos em espécie.
“Portanto, entendemos que o repasse de recebimentos de dinheiro em espécie a Sideni Pimentel resulta em indícios de que Marcus Abreu o fez para encobrir a origem dos recursos, indicando que sejam ilícitos e que as notas fiscais de venda de gado sejam frias, ou seja, simuladas”, diz parte da investigação.
Os indícios de que os fillhos de Vladimir Abreu compraram sentenças de Sideni são reforçados pela PF mais ainda porque, na mesma época (entre 2019 e 2020) das transações de compra e venda de gado, cujas notas não se mostraram verdadeiras, o desembargador julgava dois processos do escritório deles.
“Chama atenção os investigados estarem fazendo negócios no ramo da pecuária e ao mesmo tempo o desembargador julgando processos do advogado, o qual inclusive tem escritório no mesmo local do de seu filho”, reforça o pedido da PF ao STJ.
Para a Polícia Federal, desde o início as apurações apontam grande proximidade entre as famílias dos desembargadores Vladimir Abreu da Silva e Sideni Soncini Pimentel. Inclusive, diante do que seriam essas evidências, foram realizadas pesquisas nos sistemas do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul “tendo sido identificados diversos processos julgados por Sideni, nos quais atuaram os filhos do desembargador Vladimir e vice-versa”.
Confusão patrimonial - Para a Polícia Federal há uma “confusão patrimonial” entre os filhos, Ana Carolina, Marcus Abreu e Vladimir Abreu. O intuito do entendimento da PF é mostrar que o dinheiro que passa pelo filhos, de supostas vendas de sentença, também podem ser do pai.
“Quanto à análise dos dados bancários e fiscais, ressalta a existência de declarações de empréstimos à Receita Federal por parte de Ana Carolina Abreu e Marcus Vinícius Abreu tendo como credor o desembargador Vladimir Abreu, sem que tenham sido identificadas transferências bancárias compatíveis entre eles, concluindo pela existência de confusão patrimonial entre eles”, aponta outro trecho.
O levantamento do inquérito policial mostra que entre 2014 e 2023, tanto o escritório dos filhos de Vladmir Abreu quanto as contas de pessoa física dos dois receberam quase mil depósitos em dinheiro vivo, sendo que em cerca de 400 os depósitos foram fracionados no valor de R$ 1 mil e R$ 2 mil.
Em análise nas contas de Vladimir Abreu nos anos de 2020, 2021 e 2022, a investigação “estranhou” que o desembargador tinha durante todo esse intervalo valores acima de R$ 450 mil em “disponibilidade em caixa”.
“É incomum armazenar essa quantidade de dinheiro como 'disponibilidades em caixa' atualmente, não se sabendo a origem dos mais de R$ 500 mil declarados aparentemente em espécie por Vladimir Abreu, sendo, a nosso ver, mais um indício de venda de decisões judiciais”.
Lama Asfáltica – Para reunir elementos atribuindo condutas ilegais a desembargadores, advogados, servidores e empresários, culminando na Operação Ultima Ratio, desencadeada nesta quinta-feira (24), a Polícia Federal montou um quebra-cabeças com dados coletados ao longo dos anos em diferentes operações, pelo menos quatro, como a Lama Asfáltica e a Mineração de Ouro.
O desembargador Vladimir também foi citado no âmbito da operação Lama Asfáltica também com suspeita de vender decisão. Uma interceptação entre o empresário João Amorim e o então advogado Ary Raghiant Neto, atualmente desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Ary diz que tratou com o Vladimir e antecipa, com precisão, o possível resultado de julgamento de processo de interesse do empresário, bem como outros desdobramento do processo.
“Há, ainda, ligação registrada em 16/05/2014 entre João Amorim e possivelmente Osmar Domingues Jeronymo, que na ocasião ainda atuava como Secretário de Estado do Governo de Mato Grosso do Sul, durante a qual mencionam decisão proferida por Vladimir Abreu, no plantão judiciário, que revogou, no mesmo dia (15/05/2024), a determinação do Juízo de primeira instância, para o retorno do prefeito cassado ao cargo”, reforça outra parte da investigação.
Fazenda Pauliceia – Uma das investigações iniciais de toda a Ultima Ratio foi uma transação de empréstimo que acabou com parte de uma fazenda apropriada por Diego Moya Jeronymo, sobrinho de Osmar Jeronymo, que resultou em disputa judicial com antiga dona, Marta Martins de Albuquerque. O relator do processo no tribunal é Vladimir e também recai sobre ele a suspeita de vender um recurso que poderia extinguir a ação.
O processo é complexo e envolve sucessivas operações de empréstimos entre diversas pessoas físicas e jurídicas, e a posterior transferência da propriedade mediante a lavratura de escrituras públicas com indícios de falsidade.
Operação - A ação leva o nome de "Ultima Ratio" - desdobramento da "Mineração de Ouro", deflagrada em 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios de crimes. Segundo a Polícia Federal, o objetivo é "investigar possíveis crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul". A ação tem apoio da Receita Federal.
A PF também havia requerido a prisão de Danillo Moya Jeronymo, servidor do TJ, e Diego Moya Jeronymo, ambos, sobrinhos do conselheiro do TCE-MS; do médico infectologista Percival Henrique de Sousa Fernandes; do advogado Félix Nunes e do empresário Everton Barcellos de Souza, todos investigados por envolvimento no esquema de venda de sentença.