Luiz, Cezar, José, Uilmar e Princesa: as vidas “invisíveis” que moram nas ruas
Campo Grande ainda prepara censo para conhecer o tamanho dessa população
É perto das 12h e o sol a pino de Campo Grande faz brilhar uma pequena bandeira da Venezuela, que tremula em terreno ocupado por precárias moradias na Avenida Mato Grosso. Uma das principais artérias da cidade, a via virou o endereço de uma república que fala espanhol. Ali, encontro Uilmar Sanchez, 38 anos, que veio da Colômbia, e Princesa, a cachorrinha que, ao chamado do dono, pula em seu pescoço.
RESUMO
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Em Campo Grande, imigrantes latino-americanos e brasileiros em situação de rua revelam histórias de sobrevivência nas principais avenidas da cidade. O colombiano Uilmar Sanchez, de 38 anos, e venezuelanos como Luiz Javier Medina, de 33 anos, buscam oportunidades pedindo ajuda nos semáforos, enfrentando barreiras linguísticas e dificuldades com transações financeiras. Sob o viaduto Engenheiro Paulo Avelino de Rezende, Cezar Augusto de Lima, de 34 anos, e José Adriano Ribeiro da Silva, de 43 anos, relatam os desafios da vida nas ruas, incluindo episódios de violência. A Secretaria de Assistência Social da cidade prepara um censo inédito para mapear essa população, que registrou 4.555 abordagens sociais entre janeiro e julho de 2025.
Os dois fazem parte das histórias das ruas, as vidas invisíveis que a maioria prefere ignorar. Longe de dominar o português, ele conta que pede ajuda no semáforo há dois meses. No cartaz de papelão, está escrito que é estrangeiro e que depende da solidariedade das pessoas que passam pela avenida.
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Se a língua é uma barreira, o maior problema é não ter o Pix, que facilita todas as transações financeiras no Brasil. Sem Pix, as chances de receber ajuda diminuem na correria do semáforo. Mas ele consegue ali doações de comida e dinheiro. “Mas tem que correr, correr”.
No terreno invadido, o mato deu lugar a barracas, barraco e cozinha. O banheiro é um espaço ao fundo, oculto por uma cortina, mas sem nenhuma estrutura.
Lá também mora Luiz Javier Medina, 33 anos. Para se lembrar de onde veio, ele colocou uma bandeira da Venezuela. Em português, diríamos que o motivo foi a saudade.
“O país está mal”, explica ao comentar o motivo de ter deixado a terra natal. Luiz trouxe a esposa e três filhas. A mulher e as crianças ficam em um abrigo. Mas no fim da manhã de quinta-feira (dia 4), elas o visitavam no Centro de Campo Grande. Luiz conta que trabalhava em restaurante e, agora, faz diárias de pedreiro.
Viaduto vira cama a cinco metros do chão
O Viaduto Engenheiro Paulo Avelino de Rezende, na Avenida Ministro João Arinos, saída para Três Lagoas, serve de cama para Cezar Augusto de Lima, 34 anos. Às vezes, ele dorme na parte externa, ao lado de quase uma dezena de pessoas. Mas também entra por um buraco e acessa a parte interna da estrutura. Ele busca segurança, apesar do claro perigo de adentrar um viaduto sobre o qual passa a BR-163, a principal rodovia para escoamento da safra.
Contudo, a rua tem seus episódios de violência, com testemunho de pancadaria e sangue. Situação que ele conta ter visto recentemente. “Eu fico mais na região do Guanandi. Tem só dois dias que voltei aqui”. O viaduto é perto do Bairro Maria Aparecida Pedrossian.
“É difícil viver na rua. Tem o pessoal que ajuda, o pessoal que não dá. Fui pedir comida para uma mulher, mas ela não quis ajudar. Quando chega a noite, a gente fica com medo de dormir”, diz Cezar. O pontilhão fica no entorno do antigo Cetremi (Centro de Triagem e Encaminhamento ao Migrante e Itinerante), atual UAIFA (Unidade de Acolhimento Institucional para Adultos e Família).
“Estão com frescura para entrar lá. Tem que ir ao Centro POP, esperar vaga”, afirma. Cezar conta que veio de São Paulo para acompanhar a esposa, que é de Campo Grande. Houve uma separação e hoje mora na rua. Ele conta que faz “bicos”.
José Adriano Ribeiro da Silva, 43 anos, dá uma explicação um pouco tortuosa de como chegou a Campo Grande. “Eu sou de Euclides da Cunha Paulista, cidade na divisa com o Paraná. Vim trazer o carro de um conhecido até Sorriso [Mato Grosso]. Quando cheguei a Sorriso, ele não pagou o combinado. Fui a um posto de gasolina na esquina e fiquei conversando com um rapaz. Quando voltei, não tinha nem carro nem ninguém na casa. Aí, peguei carona e vim parar aqui em Campo Grande”.
Ele está há três meses na Capital. “Tem sempre um pessoal que traz marmita, gente de restaurante mesmo. Eu fico sempre por aqui. O barulho incomoda bastante, mas vou fazer o quê?”
José conta que confusões acontecem. “Às vezes tem discussão. Chegou um rapaz, pegou um moreninho, deu dó dele. Ficou com a cara cheia de sangue. O cara era grandão, forte. Coitado do neguinho, era deste tamaninho”.
A reportagem questionou a prefeitura de Campo Grande sobre a porta de entrada para acesso a serviços de assistência social, além dos pré-requisitos em cada unidade para atendimento. O jornal aguarda retorno.
Censo inédito
Nesta semana, a SAS (Secretaria de Assistência Social) informou que organiza, em parceria com outras instituições, um censo inédito para levantar dados precisos sobre a população em situação de rua em Campo Grande.
“Até o momento, apenas as abordagens realizadas pelo Serviço Especializado em Abordagem Social e os atendimentos técnicos do Centro POP são contabilizados. Entre janeiro e julho de 2025, foram feitas 4.555 abordagens, sendo 2.162 com usuários de substâncias psicoativas, além de 1.261 atendimentos pelo Centro POP.”
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