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Capital

Na fila por transplante, ouvir "não" de família de doador é pior dor da espera

Em Mato Grosso do Sul, três pessoas aguardam na fila para receber um novo coração

Antonio Bispo | 24/08/2023 15:45
Elessandra ao receber alta do hospital onde recebeu um coração novo (Foto: Arquivo Pessoal)
Elessandra ao receber alta do hospital onde recebeu um coração novo (Foto: Arquivo Pessoal)

A espera angustiante para quem está na fila por um transplante de coração vira frustração quando surge a possibilidade de receber um novo órgão e a família do doador não autoriza a doação.

Em Mato Grosso do Sul, três pessoas aguardam na fila para receber o órgão. O Campo Grande News conversou com a médica cardiologista e responsável pelo ambulatório de Insuficiência Cardíaca do Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian), Carolina Figueiroa de Brito.

Segundo a médica, pacientes que precisam de um transplante apresentam insuficiência cardíaca, ou seja, o coração começa a falhar como bomba. Dessa forma, a pessoa sente cansaço excessivo, falta de ar, inchaço, além de se tornar incapaz de realizar tarefas que antes eram feitas diariamente, como tomar banho, por exemplo.

“É uma limitação muito grande, normalmente esse paciente acaba internado e é a partir daí que vem o diagnóstico. Esse paciente, recebendo o tratamento e mesmo assim não ficando bem, se não tiver nenhuma contraindicação, ele é candidato para entrar para a fila [de transplante]”, conta.

Depois de uma bateria de exames, a equipe médica responsável pelo acompanhamento do paciente é quem decide pela disponibilidade para o transplante.

Em Campo Grande, o transplante de coração esteve disponível por somente dois anos, de 2020 a 2022, mas que por razões burocráticas, deixou de ser realizado. Nesse período, três pessoas passaram pela cirurgia na capital sul-mato-grossense. Desde então, todas as pessoas elegíveis para o procedimento são encaminhadas para outras cidades referências, onde aguardam pela cirurgia.

É o caso do designer de moda Antônio Carlos Galetti Filho, de 62 anos, que aguarda pelo tão sonhado coração novo há três anos. À reportagem, ele conta que infartou pela primeira vez em 2003, quando precisou colocar um “stent” na artéria coronária, utilizado para restaurar o fluxo sanguíneo e trazer um ritmo quase que normal ao coração.

“Em 2017 eu tive uma arritmia cardíaca e tive que colocar um sincronizador, que é um aparelho que vai reabilitar os batimentos através de desfibrilação”, conta.

Mesmo com o procedimento, o coração do Antônio não continuou trabalhando da forma que deveria e, em 2021, após passar por diversos exames e cumprir protocolos, ficou apto ao transplante de coração, sendo colocado em uma fila, onde a posição varia de caso para caso.

Nesse tempo, teve três oportunidades de receber um coração novo. Na primeira vez, os milhares casos de covid-19 que levaram as pessoas a superlotarem hospitais da cidade, impediram que o profissional recebesse o novo órgão, uma vez que a doença trazia riscos para o paciente.

Na segunda vez, o diagnóstico positivo para a mesma doença o impediu de receber um coração que estava disponível, pois o receptor precisa estar com a saúde equilibrada para passar pelo procedimento que é de alto risco.

Já na terceira, tudo estava certo para que Antônio, enfim, passasse pelo transplante. O doador deixou avisado que gostaria de doar os órgãos, mas a família não atendeu ao pedido e negou que o órgão fosse doado.

Como o procedimento não é mais realizado em Campo Grande, Antônio está sendo avaliado por equipes do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, onde estará à disposição para receber o novo órgão. O resultado da avaliação sai na próxima semana.

Antônio aguarda ansioso pelo transplante de coração (Foto: Arquivo Pessoal)
Antônio aguarda ansioso pelo transplante de coração (Foto: Arquivo Pessoal)

Esperança de quem já passou – Assim como Antônio, a agora aposentada Elessandra Cruz dos Santos, de 49 anos, também já esteve na fila para o transplante e, após sete tentativas, pôde, enfim, ser agraciada com um novo órgão.

Emocionada, ela conta que tudo começou em 2017, quando sofreu um infarto. “Eu fiquei alguns dias internada, coloquei stent, tive algumas ocorrências no hospital. Quando eu saí, eu não tive melhoras. Depois de uns oito meses, fizeram cateterismo e descobriram 70% de perda muscular do coração e eu comecei a tomar vários medicamentos”, diz.

Entretanto, o procedimento não foi suficiente e a piora foi aumentando. Quando o coração chegou a 25% da capacidade em 2019, começou a ser cogitado o transplante do órgão.

“Eu teria sido uma das primeiras pacientes a fazer o transplante em Campo Grande. Só que para entrar na fila, você tem que fazer vários exames, porque precisa saber o tipo sanguíneo, a compatibilidade, o grau de rejeição. Então você faz vários exames e eles descobriram uma insuficiência pulmonar. Eu não podia transplantar”, declarou.

Por conta da recusa, Elessandra participou de um projeto filantrópico em São Paulo, através do hospital Sírio Libanês, onde foi colocado um coração artificial como tratamento paliativo, até que ela pudesse ter a saúde estabilizada e se tornasse apta ao transplante.

Ao entrar na fila novamente, o quadro piorou e a paciente precisou ficar internada o tempo todo no hospital. Ao longo de 1 ano e 3 meses, Elessandra passou por sete tentativas de receber o novo órgão.

Elessandra três dias depois de passar pelo transplante, em São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)
Elessandra três dias depois de passar pelo transplante, em São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

Em alguns casos, o doador foi diagnosticado com covid-19 e o coração não pôde ser utilizado. Em outros, a distância atrapalhou a realização da cirurgia, uma vez que o órgão só pode ficar fora do corpo por 4 horas. “A distância é o que mais atrapalha”, disse.

Para além desses obstáculos, Elessandra também sofreu uma recusa da família de um doador, que optou em não doar o coração para ela. Mas no dia 12 de janeiro deste ano, ela recebeu a notícia tão aguardada: a cirurgia seria realizada.

“O meu transplante foi muito bem sucedido, tudo correu bem, só que eu estou em processo de adaptação, porque além de ter o transplante, você é acompanhada por um tempo por um médico. Eles fazem biopsia, todo tipo de exame para saber se o órgão está aceitando bem o corpo ou o corpo o órgão”, disse.

O processo que não tem sido fácil é acompanhado da solidão. Como Elessandra está internada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e não consegue dispor de um familiar para ficar com ela 100% do tempo, muitas vezes acaba ficando sozinha, aumentando ainda mais a vontade de retornar para casa.

“A verdade é o seguinte, você sair da sua cidade para ir para outra, o familiar trabalha, tem filhos, não tem como você ter uma pessoa com você o tempo todo. Minha irmã está aqui comigo, mas ela já vai voltar. É obrigatório você ter acompanhante, mas eles entendem a minha situação”, relatou.

Como as casas de apoio existentes na cidade exigem que o paciente tenha acompanhante, Elessandra precisa pagar do próprio bolso o aluguel de um espaço enquanto passa pelo tratamento pós-operatório.

Para as famílias que passam pela decisão de doar ou não o órgão de uma pessoa, Elessandra relata o que sentiu após finalmente passar pelo procedimento.

“Antes de transplantar eu não sabia o que dizer, porque eu pensava assim: ‘é tão difícil você pedir a Deus que ele te dê um coração, um órgão? Porque na verdade você desejaria a morte de alguém, mesmo sem desejar. Mas depois que eu transplantei, eu percebi o quanto esse doador é importante na vida da gente. Ele é um anjo. Você já imaginou um pedaço de você viver em cada pessoa? Seus olhos estão enxergando em Manaus, o coração batendo em Campo Grande”, contou emocionada.

Assim como ela, o caminhoneiro Elido Silva, de 52 anos, também enfrentou a batalha de receber o novo órgão. Mas diferente dela, foi um dos três agraciados em passar pela cirurgia aqui na Capital.

À reportagem, ele contou que foi diagnosticado com a doença de Chagas em 2019, uma vez que viajava por todo o Brasil, principalmente para as regiões onde a enfermidade é mais comum. Com o passar dos dias, os sintomas foram piorando e, ao procurar um especialista, descobriu que entre os problemas, estava com insuficiência cardíaca.

Elido conta que a cirurgia quase não deixou cicatriz pelo corpo (Foto: Juliano Almeida)
Elido conta que a cirurgia quase não deixou cicatriz pelo corpo (Foto: Juliano Almeida)

“Eu fiz a cirurgia em Campo Grande, na Santa Casa, no dia 29 de abril de 2020. Eu fiquei preocupado, mas o doutor Mauro, que é um excelente medico, me tranquilizou”, disse.

Três anos depois, Elido conta que o quadro de saúde melhorou muito, apesar de ainda conviver com algumas condições. “Quando eu estava no hospital, eu nem acreditei que tinha feito uma cirurgia dessa magnitude, nem parecia que eu tinha feito um transplante, foi uma cirurgia tão bem feita que nem parecia que tinha feito cirurgia”, ressaltou.

Elido com família e amigos no antes e depois do transplante (Foto: Arquivo Pessoal)
Elido com família e amigos no antes e depois do transplante (Foto: Arquivo Pessoal)

Como ser doador de órgãos - Na maioria dos transplantes, o órgão só pode ser retirado quando o paciente for declarado com morte encefálica, ou seja, quando o cérebro morre, mas as outras funções do corpo são mantidas através de máquinas.

Para ser doador, a pessoa precisa avisar a família do desejo. Entretanto, somente os responsáveis podem garantir que o órgão seja doado, mesmo que tenha sido autorizado em vida, pela pessoa que morreu.

Além do coração, podem ser doados pulmão, pâncreas, vasos sanguíneos, ossos, intestino, ossículos do ouvido, pele, válvulas cardíacas, córneas, medula óssea, fígado, rins, tendões e meninges.

Em todo o Brasil, 385 pessoas estão na fila por um novo coração.

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