Esquema de fraude na merenda teve propina atrasada e carga fantasma
Mesmo sob investigação, grupo era altamente estruturado, usava linguagem cifrada e familiares
Mesmo após o cerco do TCE/MS (Tribunal de Contas do Estado) e a deflagração da operação Malebolge, em fevereiro deste ano, os integrantes da organização criminosa que atuava na Prefeitura de Água Clara não interromperam as fraudes nem as estratégias de corrupção.
RESUMO
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O Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) denunciou dez pessoas envolvidas em um esquema de fraude na merenda escolar em Água Clara, Mato Grosso do Sul. A organização criminosa, que atuava mesmo após investigações do Tribunal de Contas, mantinha um sistema estruturado de corrupção com divisão de tarefas e linguagem cifrada. A empresa Zellitec Comércio de Produtos Alimentícios era a principal beneficiada do esquema, que incluía atestados falsos de entrega de alimentos e pagamento de propinas. O Ministério Público pede indenização de R$ 22 milhões pelos danos causados. Entre os denunciados estão servidores públicos, empresários e intermediários que operavam em conjunto para fraudar licitações.
A denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) mostra que o esquema era altamente estruturado, com divisão de tarefas, linguagem cifrada, omissão deliberada de provas e até participação de familiares para garantir o sucesso de empresários favorecidos em licitações públicas.
A principal beneficiada era a empresa Zellitec Comércio de Produtos Alimentícios, de Mauro Mayer da Silva, que contava com apoio direto de servidoras da Secretaria Municipal de Educação para fraudar certames e atestar cargas que não chegavam às escolas.
Em 2024, Kamilla Zaine dos Reis Santos Oliveira validou o recebimento de mais de 12 toneladas de carne e 2,6 mil litros de leite em um único dia, sem comprovação documental. Já em dezembro, com o calendário letivo encerrado, Ana Carla Benette atestou quase 5 toneladas de carne, que sequer foram entregues ou chegaram impróprias para consumo.
Em uma das mensagens interceptadas, Ana Carla cobra Mauro Mayer: “Eu sei que agora não vai dar. Mas eu preciso que você veja o nosso que tenho. Pretendo ver o carro em dezembro, e ano que vem quero quitar minha casa”, evidenciando o uso da propina para fins pessoais.
Os bastidores do esquema - Adão Celestino Fernandes, mesmo aposentado, era o articulador financeiro do grupo. Operava nos bastidores como controlador de fato das empresas Zellitec e Royal, registradas em nome de familiares e laranjas.
Ele comandava lançamentos contábeis, decisões comerciais e simulava concorrência para garantir contratos fraudulentos. Ao seu lado, a ex-secretária de Educação, Adriana Rosimeire Pastori Fini, teve papel facilitador ao permitir que Ana Carla e Jânia Alfaro Socorro operassem livremente, sem qualquer fiscalização. Adriana chegou a pedir "ajuda mensal" com dinheiro da propina para cobrir despesas eleitorais e pessoais, e seu token de assinatura digital foi encontrado com Jânia.
Denise Rodrigues Medis, ex-secretária de Finanças, garantiu pagamentos à Zellitec, inclusive desviando recursos de outras áreas para quitar notas frias. Recebia propina, foi flagrada com R$ 2.500 em espécie em sua gaveta e usava Ana Carla como intermediária para fazer exigências a empresários. Já Ícaro Luiz de Almeida Nascimento, sócio de Mauro, orientava como burlar licitações, sugeria o uso de aplicativos criptografados e participava da articulação dos contratos e dos pagamentos indevidos.
“Encomendas” - Para operacionalizar os pagamentos ilícitos, o grupo usava o termo “encomenda” como código para propina. Entregas eram feitas por Mauro ou por intermediários, como Valmir Deuzébio e Leonardo Antônio Siqueira Machado. Um áudio interceptado mostra Mauro instruindo: “Vai lá na minha sala, embaixo do notebook tem um monte de envelope com vários nomes. Pega o da Jânia. Já está lacradinho, só entregar.”
Jânia Alfaro, de confiança de Ana Carla, apagava mensagens após as conversas e chegou a receber envelope com dinheiro em estacionamento no centro de Campo Grande. Leonardo, funcionário da Zellitec, foi citado como encarregado por Ana Carla para fazer entregas ilícitas. Ambos integravam o grupo de WhatsApp “Diretoria”, usado para coordenar o esquema. Valmir, além de entregador, era referência técnica no grupo e sabia detalhes logísticos e operacionais da fraude.
Família, encenação e continuidade - A filha de Jânia, embora não denunciada, também agia nos bastidores, informando Mauro sobre reabertura de licitações mesmo após suspensão pelo TCE. “É amanhã a licitação da merenda. Manda pra Carla. Mauro já sabe?”, escreveu à mãe. Após a vitória da Zellitec no pregão de 2025, mãe e filha comemoraram: “Mauro ganhou a merenda sozinho inteirinha” / “Amamos”.
Em outro episódio, o então vereador Alfredo Alexandrino dos Santos Júnior flagrou entrega de alimentos em condições inadequadas. Em vez de corrigir o erro, Kamilla e funcionários da empresa registraram boletim de ocorrência contra o parlamentar. A polícia concluiu que a denúncia carecia de fundamento.
Organização e provas - O Gaeco aponta que o grupo mantinha alto grau de organização: propinas mensais combinadas, notas fiscais manipuladas, mensagens apagadas e atuação coordenada entre público e privado. As provas incluem áudios, prints, planilhas e documentos fiscais.
Os dez denunciados são: Adão Celestino Fernandes (administrador de empresas), Adriana Rosimeire Pastori Fini (ex-secretária de Educação), Ana Carla Benette, Denise Rodrigues Medis, Ícaro Luiz de Almeida Nascimento, Jânia Alfaro Socorro, Kamilla Zaine dos Reis Santos Oliveira, Leonardo Antônio Siqueira Machado, Mauro Mayer da Silva e Valmir Deuzébio. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul pede indenização de, no mínimo, R$ 22 milhões — metade por danos ao erário e metade por danos materiais coletivos.
Tentamos contato com todos os citados desde a manhã desta terça-feira, por redes sociais e telefones, mas não obtivemos retorno.
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