Cheio de boletos e sem salário fixo? Como sobrevive um informal em Campo Grande?
Em todo Mato Grosso do Sul são 423 mil pessoas atuando sem qualquer proteção trabalhista
Sem carteira assinada, sem 13º salário, sem férias. Essa é a realidade de quem vive nas ruas movimentando a economia dos bairros e do centro. Desde aqueles que vendem a arte na rua a entregadores por aplicativo, os trabalhadores informais têm criado formas próprias de existir e resistir. Mas como sobrevive o informal sem a previsibilidade de renda?
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Em Mato Grosso do Sul, 423 mil pessoas, representando 30,5% da força de trabalho, atuam na informalidade, segundo o IBGE. A busca por autonomia e a dificuldade em encontrar empregos formais com remuneração adequada impulsionam esse cenário. Entrevistados pelo Campo Grande News, trabalhadores informais relatam suas experiências e desafios diários. Henrique, artista de rua chileno, busca o sustento com sua arte, enfrentando dias lucrativos e outros sem nenhum ganho. Paulo, vendedor de ervas medicinais, mantém uma rotina rigorosa para garantir sua renda, conciliando múltiplas atividades. Já João Pedro, motoentregador por aplicativo, optou pela informalidade em busca de flexibilidade, apesar das desvantagens. O economista Ordilei Dal Moro analisa a informalidade como uma tendência crescente no Brasil, impulsionada pela desindustrialização e pela busca por melhores condições de vida.
Por um lado, a ideia de ser “seu próprio patrão” parece ser boa, mas essa autonomia também tem seu preço e não há garantias. A vida do informal é feita de dias bons e ruins.
- Leia Também
- Informalidade atinge jovens e aumenta riscos no mercado de MS
- Diferentes gerações enfrentam juntas os desafios do mercado de trabalho
Em entrevista ao Campo Grande News, alguns trabalhadores que escolheram ou acabaram caindo na informalidade relatam que o serviço é a maneira encontrada para garantir a subsistência.
A rotina de Paulo de Souza, de 66 anos, começa cedo. Todos os dias, acorda às 4h e chega na Praça Ary Coelho, às 6h, antes mesmo de a região central começar a se movimentar. Conhecido como "Mestre Mato Grosso", ele atua no local há anos vendendo ervas medicinais.
Sem saber quanto vai lucrar diariamente, Paulo afirma que precisa realizar diversos afazeres para garantir a renda mensal.
“Demoro três horas para montar essa banca. Às 15h30 começo a guardar. Depois vou para a academia, faço berimbau, vou para a capoeira e só durmo meia-noite. Senão, não consigo arcar com os compromissos do dia a dia. Eu penso assim: não adianta reclamar. Se está difícil quando você levanta às 6h, então levante às 5h. A vida segue, sem massagem”, descreveu.
Ele conta que trabalha desde os 6 anos de idade. Além de vender ervas medicinais, aluga casas e é professor de capoeira.
“Tenho essa amargura porque, quando eu tinha 1 ano, e eu lembro disso, estava sentado em uma tora e vi meu pai passando. Falei: ‘pai, me dá um pão’, e ele respondeu: ‘vai trabalhar, vagabundo’. Por isso eu trabalho até hoje. Ele mandou eu trabalhar e eu sou trabalhador”, contou.
Para o motoentregador João Pedro Reis, de 27 anos, a informalidade foi uma escolha. “Não tenho horário fixo. Tem os prós e contras, como em toda profissão. Mas resolvi largar a CLT para ficar só nas entregas por aplicativo”, explicou.
João estabeleceu uma meta diária de ganhos para encerrar o expediente. “Por exemplo, acordo às 9h, mas só começo a trabalhar meio-dia. Minha meta é receber R$ 150. Só desligo o aplicativo depois de atingir esse valor. Às vezes não compensa ficar esperando para bater a meta. Os aplicativos são bons pela flexibilidade, mas ter férias com carteira assinada também é muito bom”, completou.
O artista de rua chileno, Henrique Fonseca, de 24 anos, contou que está em Campo Grande só há quatro dias. Por vezes, ele volta para o lugar onde está dormindo sem nenhum dinheiro no bolso.
“No dia bom, eu consigo fazer R$ 100 e consigo pagar minha comida, minha cerveja. Em dia sofrido, não recebo nada, mas aí troco alguma coisa por comida”, detalhou.
A informalidade escolhida por Henrique faz parte de um estilo de vida que poucos se arriscam a seguir: a arte como forma de viver. “Eu moro em todos os lugares. Fico aqui fazendo a minha arte, conhecendo, ensinando, aprendendo”, contou.
No semáforo da Avenida Afonso Pena com a Rua Coronel Cacildo Arantes, o chileno dança com um boneco de marionete feito de metal. Colocado sobre os carros, o boneco se move ao ritmo da música e, com a alegria do artista, o "troco" muitas vezes acaba indo parar em seu bolso.
Segundo Henrique, em Campo Grande, o público demonstra pouco interesse pela arte de rua. “Aqui eles vão do trabalho para o restaurante, do restaurante para casa. Poucos vivem a vida ou se encantam com a arte. Na praia a galera é mais aberta. A gente mostra nossa arte e tem quem pague R$ 100, R$ 50. Aqui, os poucos que dão alguma coisa, dão moedas”, relatou.

Tendência - Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Mato Grosso do Sul tem 423 mil pessoas atuando fora de qualquer proteção trabalhista.
Com isso, a taxa de informalidade no Estado ficou em 30,5%, a 4ª menor do País. Em 1° lugar está Santa Catarina, com 25,3%; Distrito Federal, 28,2%; e São Paulo, 29,3%.
Na visão do economista Ordilei Fernando Dal Moro, a informalidade pode ser uma tendência ao longo do tempo.
“A informalidade é uma tendência em um país como o nosso, em que o setor de serviços representa uma parcela muito maior da economia e que tem passado por um processo histórico de desindustrialização e, consequentemente, tem na informalidade uma válvula de escape para a ocupação dos trabalhadores. Ou seja, não adianta só qualificar o trabalhador, formá-lo, se não há um mercado de trabalho capaz de absorvê-lo”, pontuou.
Ainda de acordo com ele, o trabalho informal pode estar associado às pessoas que não encontram emprego de carteira assinada capaz de suprir seu custo de vida.
“A informalidade geralmente está associada às pessoas que não conseguem encontrar um emprego adequado ao seu gosto ou qualificação e com rendimento suficiente para bancar os seus custos para viver. Por conta disso, a pessoa acaba preferindo a informalidade”, disse.
O profissional cita também como exemplo pessoas formadas, mas que vivem na informalidade. “Nós vemos muitas pessoas com um grau de formalidade ou formalização elevado, como engenheiros, economistas e profissionais de várias áreas, que estão na informalidade porque este país não gera um emprego adequado para essas pessoas. É uma questão estrutural da economia brasileira”, finalizou.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.