Doze imóveis tombados que, se a cidade deixar, a arquitetura transforma e dá uso
De museu às casas históricas, passando por clube e escola. Alunos do 8º semestre de Arquitetura e Urbanismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) escolheram imóveis tombados ou de interesse cultural de Campo Grande, que pudessem passar por intervenção, para discutir a possibilidade da restauração servir de ferramenta para aproveitar bem o patrimônio histórico da cidade.
Coordenado pelos arquitetos e professores Ângelo Arruda e Euridice Savieto, o trabalho que se tornou exposição em maquetes e painéis quer mostrar pelo viés científico que restaurar vai além de pintar a fachada. "Em Campo Grande se tem essa ideia e é insuficiente para dar sustentação a um projeto", explica Ângelo. A proposta é ir além e se a cidade deixar, transformar e dar uso aos 12 imóveis através da arquitetura.
Partindo da Morada dos Baís, prédio construído entre os anos de 1913 e 1918, tombado como Patrimônio Histórico do município em junho de 1986, e que desde o ano passado é administrado pelo Sesc. "Ao longo da história dele, foi feito um edifício ao lado que atendeu a uma exigência da Prefeitura. Hoje, 20 anos depois, quando assume o Sesc se tem outra ideia para usar o espaço. E quando um artista vai se apresentar, o prédio não está preparado para isso", descreve Ângelo.
Para os shows, se coloca uma tenda. O levantamento dos alunos aponta que é hora de discutir quem é a nova Morada dos Baís? "Inspirado no Museu de Arte do Rio, que tem aquela laje em cima interligando o edifício eclético com o moderno e contemporâneo, os alunos propõem obedecer essa mesma relação. Abrir o prédio e interligar à Orla, que não dialoga com o espaço", explica Ângelo. A ideia é tirar o muro e incorporar a Orla até a Morada criando uma nova cobertura que possa fazer o contraste entre o antigo e o moderno.
O mesmo acontece na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Calógeras, no Centro da cidade. A arquitetura de 1922 que hoje é uma autoescola, pertenceu ao último governador do então Mato Grosso, Arnaldo Estevão de Figueiredo. Considerada área de interesse cultural, ali os acadêmicos propõem incorporar a calçada, como era nos tempos de "Casa da Memória", nas mãos da herdeira, Lélia Rita.
"Aqui tem uma calçada enorme, que no passado era usada para apresentações de Natal. Inspirado nisso, que já aconteceu, os acadêmicos sugerem colocar um equipamento coberto, que dialoga com o prédio e a calçada e transforma tudo num pavimento único", narra Ângelo. A intervenção também prevê a criação de um espaço de atividade cultural ou barzinho, já que a orientação solar assim permite.
No Museu José Antônio Pereira, o pensamento é trazer a ruralidade dos primórdios de Campo Grande para os dias de hoje. Ocupada na área que pertenceu à fazenda Bálsamo, quem visita o museu o faz uma vez e pronto. Pela arquitetura, o pensamento é transformar o espaço e dar um uso diário.
"Fazer atividades de fazenda, colocar um curral, incorporar as ideias da ruralidade e ter uma programação sócio-cultural ambiental e agronômica", diz o professor. A planta do terreno acomodaria, então, dois novos edifícios, uma capela e um cultural.
Na Loja Maçônica Oriental Maracaju, na Calógeras, a entrada dos alunos não foi permitida. Sendo assim, a recuperação da obra que teve assinatura do italiano Camillo Boni, ao lado de Emílio de Rose e erguida entre 1923 e 1924, tem a proposta de recuperar a fachada através das fotos antigas.
Na Vila dos Ferroviários, os acadêmicos escolheram dois pontos: a casa amarela ao lado do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a Rotunda. A região centenária nasceu com a Estação Ferroviária da Noroeste Brasil.
"Aqui os alunos imaginaram um novo espaço sócio-cultural neste edifício, que ganharia cozinha, áreas de suprimento, uma aberta, fechada e entrada tanto pela frente como pelo fundo. Este é o exemplo de como uma casa pode ficar após uma recuperação", aponta Ângelo.
A Rotunda, que sempre se destacou pela arquitetura semicircular, abrigava a manutenção das locomotivas e no trabalho de restauração, reúne todas as ideias já colocadas ao longo dos últimos 20 anos. Como espaço cultural, os acadêmicos pensaram em incorporar um novo edifício, completando a roda central para acomodar escola de dança, galeria de arte, um mirante e ainda um café a céu aberto, além de um museu da própria ferrovia.
Já discutido anteriormente, o antigo "Hotel Americano" entra de novo com a proposta de mesclar cultura e salas comerciais. O prédio chamado "José Abrão", nome do dono, é da década de 30 e ainda preserva o estilo Art Déco. Ali, os alunos pensaram na restauração completa da fachada e no uso do primeiro pavimento para as Artes ou algum ateliê e o segundo para escritórios ou consultórios, aproveitando o que resta da própria estrutura de hotel.
O Colégio Oswaldo Cruz já tem até conversas em andamento. O edifício de 1918 que por uma década foi primeiro armazém até ser adaptado para escola pertence à Santa Casa. O hospital já sinalizou interesse em cima da proposta dos futuros arquitetos, de transformar o espaço em uma escola de Enfermagem.
A casa de Ludovina Gomes, seria no projeto de arquitetura de agora, aberta para ser vista da 13 de Maio. Localizada na Antônio Maria Coelho, ela foi erguida em 1922 pela construtora de Ignácio Gomes, espanhol que chegou a Campo Grande junto da ferrovia. Desde 2007 ela amarga o desgaste do processo de tombamento.
"Eles levantaram a ideia de trabalhar um espaço de multimídia cultural, que incorpora a esquina, tirando o muro para deixá-la mais visível", observa Ângelo.
Da Comunidade Tia Eva, a ideia é oferecer estrutura além da igreja de São Benedito. Um espaço que contemple as atividades afrodescendentes da comunidade quilombola e que assim valorizassem a cultura.
No Rádio Clube cidade, se propõe fazer uma só academia e concentrar aulas de dança e ginástica ao redor de um bar a céu aberto. Renovando a estrutura e preservando a atividade de interesse dos sócios.
Assinado por Oscar Niemeyer, o Maria Constança de Barros Machado não consegue mais cumprir a legislação atual de educação, como por exemplo estabelecer uma quadra de esportes coberta. Tombado, o prédio exemplifica a discussão em cima da restauração. "Tem uma corrente de teóricos que admite a intervenção no edifício para a incorporação de coisas novas no conjunto e outra que não, que defende 'deixar como está'", pontua o arquiteto.
Seguindo exemplos de edifícios modernistas de Belo Horizonte, os estudantes propõem a saída da escola para não mexer tanto na estrutura, a construção de um edifício anexo onde hoje está a quadra para então abrigar, quem sabe, o próprio curso de Arquitetura.
A exposição de maquetes está no hall do bloco de Arquitetura na UFMS e pode ser levada para qualquer lugar. Os acadêmicos pretendem, junto à Fundac, colocá-la na Galeria de Vidro da Esplanada Ferroviária, deixando as ideias mais próximas de quem poderia usufruí-las: o público.