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Reportagens Especiais

Mercadão nasceu em Feira Livre e de geração em geração é valorizado como tesouro

Maioria dos trabalhadores atuais são filhos ou netos de quem ajudou a fundar o local; ligação afetiva é forte

Eduardo Fregatto | 26/08/2017 07:10
Onde antes acontecia a Feira Livre, agora é o estacionamento do Mercadão, com o Colégio Oswaldo Cruz ao fundo. (Foto: André Bittar)
Onde antes acontecia a Feira Livre, agora é o estacionamento do Mercadão, com o Colégio Oswaldo Cruz ao fundo. (Foto: André Bittar)

Nem todo mundo sabe, mas a mesma Feira Livre que deu origem ao que conhecemos hoje como a Feira Central de Campo Grande, também foi o berço do que viria a se tornar o Mercadão Municipal Antônio Valente.

Regulamentada em 1925, ela acontecia ali na frente do Colégio Oswaldo Cruz, onde hoje fica, justamente, o Mercadão. Muitos dos trabalhadores eram imigrantes japoneses, que se dedicavam ao setor produtivo de hortifrutigranjeiros.

Na foto que escolhemos para resgatar a história de Campo Grande nessa comemoração de 118 anos, é possível ver a Feira sendo realizada em 1933. Na imagem, é possível ver uma carroça e vários vendedores com seus carrinhos, cheios de produtos.

Ronald praticamente nasceu dentro do Mercadão. (Foto: André Bittar)
Ronald praticamente nasceu dentro do Mercadão. (Foto: André Bittar)
Ele mostra uma de suas fotos, ainda criança, na frente da banca da mãe. (Foto: André Bittar)
Ele mostra uma de suas fotos, ainda criança, na frente da banca da mãe. (Foto: André Bittar)

Alguns desses trabalhadores eram da família de Ronald Kanashiro de Alem, de 46 anos. Seus avós fizeram parte da Feira Livre. Sua mãe, Anésia, foi uma das lideranças na criação e desenvolvimento do Mercadão Municipal. De origem libanesa e japonesa, Ronald cresceu entre os corredores do mercadão. "Estou aqui desde que nasci", resume. Era lembra que era colocado pra dormir dentro da banca mantida pelos pais.

"Minha lembrança mais antiga é como um filme. Minha mãe chegava aqui, descobria todas as bancas, que eram cobertas com um tecido branco, aí fazia um ninho, um bercinho, pra eu dormir. Eu passava a manhã toda aqui brincando no meu quintal, que era o Mercadão. Depois tomava banho num barzinho da esquina e ia pra Mace, minha escola", relata.

Até hoje, o Mercadão faz parte da vida de Ronald. Ele toca um açougue lá dentro, além de ser ex-presidente e atual diretor patrimonial do local. "Eu estou dentro desse galpão aqui há 46 anos então faz parte da minha memória, do meu dia a dia".

Manoel no seu mercadinho, que cuida há mais de 30 anos. (Foto: André Bittar)
Manoel no seu mercadinho, que cuida há mais de 30 anos. (Foto: André Bittar)

Ronald se orgulha de, em sua gestão, ter modernizado o espaço. O teto de amianto foi trocado por telhado térmico, que mantém o galpão muito mais fresco e agradável, com a ajuda dos climatizadores. O piso também foi alterado. Gigantescos ventiladores, que funcionam por força centrífuga, foram instalados. "Tive ideia depois de ver esses aparelhos no aeroporto de Punta Cana, na República Dominicana", relata.

Mas a maior transformação do Mercadão foi em sua essência. Na época da Feira Livre, não havia tantos locais onde o campo-grandense encontrava hortifrutigranjeiros. Mas, com o tempo, os sacolões e supermercados foram aparecendo e a demanda precisou mudar. O Mercadão, então, virou um local "histórico, cultural e comercial". "Aqui é preservado os costumes do pantaneiro sul-mato-grossense. Onde você acha carne de sol em Campo Grande? Queijo caipira, pequi, chipa. Aqui está a cultura de Mato Grosso do Sul", avalia.

Manoel Bento Martins, de 64 anos, está no lugar desde 1976, com seu mercadinho. "Isso aqui era só um barracão antigamente, não tinha nada", lembra. "Evoluiu muito, só que a turma daquela época não ficou. Morreram muitos, foram embora pro cemitério".

O Mercadão, hoje. (Foto: André Bittar)
O Mercadão, hoje. (Foto: André Bittar)

Os que não morreram, conta seu Manoel, passaram o ponto pra filhos ou netos. Ele não quer fazer isso. "Não quero isso aqui pra minha neta. Os tempos são outros, não né? Quero que ela estude".

O movimento de clientes já foi maior, mas continua intenso e mais que satisfatório. "Tem coisa que só tem aqui. E tem muita gente em volta, que só vêm aqui". Apesar disso, ele quer descansar. "Estou saindo fora, senão não vou aproveitar nada do que ganhei nesses 51 anos trabalhando", explica.

Encontramos também o vendedor ambulante João Germano, de 76 anos. Ele veio da Paraíba em busca de oportunidades e lembra bem de como era o Mercadão há 35 anos. "Aqui era tudo mato", diz, apontando para onde hoje funciona o estacionamento do local.

Ele se orgulha de, nessas três décadas, ir todos os dias para o Mercadão e proximidades, vender suas redes. Foi com esse trabalho que conseguiu pagar os estudos dos filhos e ter sua casa própria.

Mas, apesar de todas as mudanças físicas e estéticas, João Germano insiste que, na essência, o Mercadão e todo o resto continuam iguais, o mesmo de 10, 20 30 ou 118 anos atrás. "O mundo é o mesmo, do jeito que Deus deixou, ninguém desmanchou".

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A Feira Livre, em 1933, com o Colégio Oswaldo Cruz ao fundo direito. (Foto: Arquivo Histórico)
A Feira Livre, em 1933, com o Colégio Oswaldo Cruz ao fundo direito. (Foto: Arquivo Histórico)
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