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Infocracia: como os algoritmos moldam a realidade e ameaçam a democracia

Por Leonardo Adriano Ragacini (*) | 22/01/2025 13:30

A revolução digital trouxe uma promessa de liberdade e acesso ilimitado à informação. No entanto, essa transformação também inaugurou um novo modelo de poder: a infocracia. Conceituada pelo filósofo Byung-Chul Han, a infocracia descreve uma sociedade em que a manipulação de fluxos informacionais, mediada por algoritmos e vigilância digital, molda comportamentos e pensamentos de maneira quase imperceptível. Essa dinâmica ameaça os alicerces das democracias contemporâneas, fragmentando a esfera pública e limitando o debate plural.

Ao contrário das formas tradicionais de controle, como censura ou repressão direta, a infocracia opera por meio de uma vigilância sutil. Plataformas digitais, como redes sociais e mecanismos de busca, utilizam algoritmos para filtrar e priorizar informações. Essa curadoria invisível molda o que consumimos, criando bolhas informacionais que reforçam nossas crenças e eliminam a diversidade de perspectivas.

Durante as eleições brasileiras de 2022, essa dinâmica ficou evidente. Campanhas políticas segmentaram mensagens para públicos específicos, utilizando dados psicográficos para manipular emoções e influenciar decisões. Essa personalização, apontada por Han como uma característica central da infocracia, desintegra a esfera pública, reduzindo a política ao nível de estímulos emocionais instantâneos.

Os riscos são amplificados pela falta de transparência dos algoritmos. Conforme observado por Rafael Capurro, em Epistemologia e Ciência da Informação, o acesso à informação, sem uma compreensão crítica de como ela é mediada, não promove a autonomia. Pelo contrário, reforça o controle, transferindo o poder para corporações e atores políticos que dominam essas tecnologias.

Na sociedade da infocracia, a liberdade é uma ilusão cuidadosamente construída. Segundo Han, a psicopolítica substitui o controle físico pela manipulação emocional e mental. Redes sociais, como Facebook e Instagram, incentivam uma constante exposição e desempenho, transformando os indivíduos em produtos de sua própria vigilância. Essa dinâmica exacerba a sociedade do cansaço, onde a pressão por produtividade e autoaperfeiçoamento resulta em exaustão emocional.

O escândalo da Cambridge Analytica exemplifica o potencial destrutivo dessa psicopolítica. Nos Estados Unidos e em outros países, dados coletados de redes sociais foram usados para moldar opiniões e influenciar votos. No Brasil, práticas semelhantes agravaram a polarização durante a pandemia de covid-19, com a disseminação de teorias conspiratórias e fake news sobre vacinas e medidas de saúde pública.

Na infocracia, esse ideal é fragmentado por bolhas informacionais. Os algoritmos, ao priorizarem conteúdo que gera engajamento, criam um ambiente onde indivíduos interagem apenas com ideias que confirmam suas crenças prévias. Isso não apenas polariza a sociedade, mas também enfraquece o processo democrático.

Durante a pandemia, a infodemia — termo usado pela Organização Pan-Americana da Saúde para descrever a sobrecarga de informações imprecisas e contraditórias — intensificou o caos informacional. Milhões de tuítes e mensagens em aplicativos como WhatsApp disseminaram desinformação sobre a origem do vírus e os efeitos das vacinas, comprometendo os esforços de saúde pública e aprofundando divisões sociais.

Han observa que essa fragmentação transforma a esfera pública em um espetáculo emocional, em que o discurso racional é substituído por estímulos visuais e slogans. No Brasil, a “guerra de memes” durante as eleições exemplificou essa tendência, com candidatos explorando mensagens curtas e provocativas em vez de promover debates aprofundados.

Frente aos desafios da infocracia, a Ciência da Informação (CI) emerge como uma aliada crucial na construção de uma sociedade mais informada e democrática. A CI propõe soluções baseadas na alfabetização midiática, na transparência algorítmica e na curadoria de informações confiáveis:

1. Alfabetização midiática: Capacitar cidadãos para compreender como as informações são manipuladas e como os algoritmos moldam sua experiência online é essencial. Programas de educação crítica devem ensinar a identificar fake news e interpretar dados com ceticismo.
2. Transparência algorítmica: Políticas públicas que exijam a explicação dos critérios utilizados por algoritmos podem reduzir a opacidade dessas tecnologias. Isso inclui regulamentações que responsabilizem empresas por práticas de manipulação informacional.
3. Curadoria informacional: Bibliotecas e instituições acadêmicas desempenham um papel central na organização e disseminação de informações confiáveis. Ferramentas tecnológicas podem ser empregadas para criar plataformas colaborativas de verificação de fatos, combatendo a desinformação.

A infocracia representa um desafio estrutural para as democracias contemporâneas. A manipulação informacional, mediada por algoritmos e exacerbada pela psicopolítica, fragmenta a sociedade e ameaça a autonomia dos indivíduos. Han adverte que a resistência não é apenas uma questão técnica, mas uma luta pela preservação da liberdade e da dignidade humana.

Superar os efeitos da infocracia exige um esforço coletivo. Governos, educadores, cientistas da informação e sociedade civil devem colaborar para promover um ambiente informacional mais transparente, inclusivo e democrático. Apenas assim será possível resgatar a esfera pública como espaço de diálogo e construir uma sociedade que valorize a diversidade de ideias e o pensamento crítico.

(*) Leonardo Adriano Ragacini é mestrando da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Universidade de São Paulo).

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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