“Não deixa o mundo te engolir.”
A frase de Cora Coralina soa como um sussurro e, ao mesmo tempo, como um grito. É um lembrete de que o mundo, com toda sua pressa, dureza e peso, muitas vezes tenta sugar de nós o que há de mais essencial: a serenidade, o equilíbrio, a capacidade de resistir sem se perder.
Vivemos cercados por problemas que parecem maiores do que nós: crises sociais, desilusões pessoais, pressões no trabalho, expectativas externas e internas que nos sufocam. O mundo moderno não nos dá trégua. Ele cobra produtividade constante, exige respostas rápidas, nos bombardeia com informações, dores e comparações. Se não estivermos atentos, o resultado é sermos engolidos por essa engrenagem invisível — perdermos nossa essência, nossa saúde mental, nossa delicadeza de existir.
Cora Coralina nos convida a outro caminho: o da resistência suave, do equilíbrio, da coragem de permanecer sendo quem somos em meio ao turbilhão. Não se trata de fechar os olhos para os problemas, tampouco de viver em uma bolha irreal. Trata-se de não permitir que as mazelas externas se transformem em prisões internas.
O peso do mundo e a leveza da alma
O mundo tem o hábito de impor pesos: o da comparação, o da cobrança, o da pressa. E, por vezes, nós mesmos reforçamos esses pesos ao acreditar que precisamos dar conta de tudo.
Mas existe uma verdade silenciosa: a vida pede leveza. Manter o equilíbrio é aprender a distinguir o que é realmente nosso do que é apenas projeção dos outros. É compreender que nem todo fardo precisa ser carregado, que nem toda batalha é nossa, que nem toda dor precisa ser internalizada.
Quando nos deixamos engolir pelo mundo, perdemos o compasso da nossa própria música. Vivemos no ritmo dos outros, obedecendo a expectativas alheias, sufocando desejos próprios. Mas quando resistimos, quando criamos raízes firmes e, ao mesmo tempo, ramos flexíveis, descobrimos que é possível atravessar tempestades sem deixar de florescer.
O segredo do equilíbrio
O equilíbrio não é ausência de dor nem fuga dos problemas. É presença consciente diante deles. É a capacidade de olhar para a realidade dura sem permitir que ela destrua a delicadeza do nosso olhar.
Podemos escolher nutrir nossa alma com pequenas belezas: um café quente, uma palavra amiga, um momento de silêncio, um pôr do sol. Podemos escolher não nos deixar reduzir àquilo que o mundo tem de mais áspero.
Cora Coralina, que viveu entre pedras e flores, entre lutas e poesia, sabia bem que o segredo estava em cultivar dentro de si um espaço intocável, um quintal interno onde a vida pudesse sempre renascer.
Resistir também é um ato de amor
Resistir ao mundo não é ser insensível, mas ao contrário: é preservar a sensibilidade em meio ao caos. É não permitir que a maldade nos torne amargos, que a injustiça nos torne indiferentes, que a pressa nos roube a contemplação. É escolher, todos os dias, continuar acreditando, mesmo quando tudo convida ao desânimo.
Não deixar o mundo nos engolir é, no fundo, um ato de amor próprio e de amor ao outro. Porque quando mantemos nossa chama acesa, podemos iluminar também quem está ao nosso redor.
A frase de Cora Coralina ecoa como conselho e como advertência. O mundo sempre tentará engolir: com suas dores, suas crises, suas exigências. Mas cabe a nós criar raízes firmes, cultivar um olhar poético e escolher, todos os dias, o equilíbrio que nos mantém inteiros.
Não se trata de viver alheio às dificuldades, mas de não permitir que elas nos definam. Porque, no fim, não é o peso do mundo que nos destrói, mas a forma como o carregamos dentro de nós.
E, diante disso, que possamos repetir como mantra: “Não deixa o mundo te engolir.”
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.