O Dia Mundial do Urbanismo
8 de novembro, tornado Dia Mundial do Urbanismo (desde 1949, pela ONU), foi idealização original de um querido hermano, professor de urbanismo, diretor do instituto de urbanismo da Universidade de Buenos Aires: Della Paoleira, nome aguerrido. Tive um querido professor, décadas passadas, que lamentava ser o Urbanismo um ismo. “Deveríamos ter consagrado denominação mais sólida, mais fundamentada como Ciência, e não como uma espécie de Tendência”. Talvez devêssemos adotar a fabulosa palavra aristotélica: Política, que significava, na sua obra original (que comemora 2.350 anos de idade), um tratado acerca dessa especialíssima forma de organização humana, a Pólis, que traduzimos como a cidade auto-governada.
Na Academia, não falta quem torça o nariz ao ouvir falar do nome do sábio grego, mas, confesso, o ideal de reunir na mesma discussão a unidade física e a política, a ecológica e a contratual, a filosófica e a institucional, mostra o quanto perdemos, no moderno Urbanismo, essa capacidade crítica de empreender a formação de Cidades que tenham os mais elevados propósitos - muito além da cidade como o caótico mercado imobiliário que se verifica em tantos casos.
De certo modo, a expressão Urbanismo retrata bem o que a urbanização, o processo, tem feito, ao longo dos mais de 10.000 anos de história urbana: estruturado, irreversivelmente, toda a Humanidade em torno de um imenso projeto de vida nas cidades. Isso é dito diante da constatação que a vida urbana foi admitida com inegável relutância pela crescente humanidade - cuja magnitude de 8 bilhões de pessoas somente foi alcançada devido à intensa forja de invenções e tecnologias que são as cidades.
Assim, a humanidade é ingrata em face da inegável escalada de progresso representada pela urbanização do Planeta? É difícil acreditar que somente em 2007 (oficialmente, segundo a fundamental ONU) a humanidade se tornou majoritariamente urbana: mais de 50% de todos seres humanos vivem, neste momento, em cidades. Essa proporção não é impressionante para nós, acadêmicos, que nascemos, crescemos e nos educamos em cidades (respeitadas as exceções). Há um século, menos de um terço da humanidade vivia em cidades (1925). No alvorecer da Revolução Industrial, há pouco mais de dois séculos, todos os urbanitas não passavam de 5% de toda a humanidade. Contabilizamos uma pequena fração da história urbana - pouco mais de 1% de toda a extensão da urbanização mundial - em que testemunhamos a extraordinária aceleração dessa adoção das cidades como habitat.
Como urbanista, não romantizo esse processo, ao contrário: admiro, meio aterrorizado, as extraordinárias forças econômicas e políticas que se tornaram cruciais para essa “compactação urbana” da humanidade, tão recente e incompreendida. Seremos capazes de manter essa tendência centrípeta, essa atração para centros urbanos modelados por economias devoradoras de recursos humanos e naturais, para sempre?
O nosso Brasil é um dos países mais urbanizados do mundo, resultado de nossa história de ocupação territorial dirigida por centros “reitores” (para usar a expressão tão cara a Darcy Ribeiro) colonizadores, exploradores de recursos naturais - em uma palavra, urbanizadores. 85% de nossa população vivem em nossas 5.570 cidades, e contando. Somos um experimento urbano razoavelmente descontrolado. Nossos Planos Diretores Urbanos são, majoritariamente, “imobiliários”, e sequer são baseados em diagnósticos ecológicos / econômicos / sociais críticos, com embasamento científico.
Concluindo: com uma vida política e econômica radicalmente baseada em cidades, é evidente que temos, brasileiros, a tarefa de também radicalizar no campo do urbanismo: unir as duas ecologias, a urbana e a natural, promovendo, acima de tudo, o bem estar de nossas famílias, de nossas crianças, de nossos idosos, de nossas populações. Algo que o velho Aristóteles falou, um dia.
(*) Frederico Flósculo Pinheiro Barreto, professor do Departamento de Projeto, Expressão e Representação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília
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