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Obesidade: tratamento adequado não se manipula

Por Clayton Macedo (*) | 27/08/2025 08:30

No mundo da ciência, poucas descobertas recentes tiveram tanto impacto quanto os novos medicamentos para tratar obesidade e diabetes. Semaglutida (Ozempic e Wegovy) e tirzepatida (Mounjaro) transformaram a forma de cuidar dessas doenças crônicas, oferecendo resultados consistentes em perda de peso, controle glicêmico e redução de risco cardiovascular e mortalidade. Não são pílulas mágicas: são moléculas complexas, resultado de décadas de pesquisa, testadas em milhares de pacientes e aprovadas pelas agências mais rigorosas do planeta.

E é justamente aí que mora o problema. Porque onde há inovação, também há quem tente simplificar o que não pode ser simplificado. Surgiram, no Brasil, versões manipuladas dessas substâncias — oferecidas em frascos suspeitos, vendidas em clínicas de luxo e até por aplicativos de mensagem, como se fossem produtos simples de prateleira.

Acontece que essas moléculas não são extremamente complexas e delicadas. São peptídeos injetáveis, que precisam ser estéreis, com pureza superior a 99%, conservados em cadeia de frio contínua entre 2–8 °C, para não se degradarem. Sua produção exige tecnologia industrial avançada, validação de esterilidade, testes de estabilidade e controle de endotoxinas. Nenhuma farmácia magistral dispõe de forma adequada essa infraestrutura.

Além disso, trata-se de medicamentos patenteados, cuja pesquisa e processo produtivo é feito por indústrias farmacêuticas globais. As versões manipuladas, portanto, não apenas não cumprem padrões de qualidade como também levantam dúvidas sérias: de onde vêm os sais usados na manipulação? Que laboratório os produziu? Houve rastreabilidade? A conservação foi adequada? A resposta, na maioria dos casos, é simples: não sabemos.

E quando não sabemos, os riscos aparecem. Já houve relatos de frascos que continham insulina no lugar do medicamento, provocando hipoglicemia grave; pacientes internados em UTI por superdosagem; produtos cheios de impurezas; e até preparações sem nenhum princípio ativo, vendidas a preços exorbitantes em consultórios que prometem milagres.

Esses casos não são exceções. Eles são o retrato de um cenário de má prática médica, em que a obesidade — doença crônica, complexa, multifatorial e recidivante — é transformada em produto de prateleira. Prometem-se fórmulas mágicas, vendem-se frascos manipulados, terceiriza-se a responsabilidade científica. O paciente, vulnerável, paga com dinheiro, saúde e, por vezes, com a vida.

O que está em jogo é mais do que frascos adulterados ou fabricados sem o rigor necessário. É a fronteira entre ciência e charlatanismo.

Nos Estados Unidos, na Austrália e na África do Sul, as autoridades sanitárias já proibiram a manipulação desses medicamentos. No Brasil, as principais sociedades médicas, lideradas pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), defendem que a Anvisa faça o mesmo.

A mensagem é clara: não existe manipulado seguro de semaglutida ou tirzepatida. O que existe é risco, fraude e má prática. O que existe é a necessidade urgente de proteger pacientes, preservar a boa medicina e garantir que a obesidade seja tratada com a seriedade que merece.

Por isso, a Sbem lança agora a campanha “Obesidade: tratamento adequado não se manipula”, para alertar a população e pressionar por uma regulamentação definitiva. Porque ciência não combina com improviso, oportunismo e falta de segurança, obesidade se trata com respeito e seriedade — e saúde não pode ser tratada como balcão de negócios.

(*) Clayton Macedo, doutor em Endocrinologia e Especialista em Medicina do Esporte, coordenador do Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), através da Revista Veja

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.