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Ensinar Juntos

O comportamento dos pais molda os jovens atletas

Por Carlos Alberto Rezende (*) | 15/10/2025 08:47

Ah, a arquibancada... Um lugar que deveria ser de celebração, torcida e apoio, mas que, não raro, se transforma em palco de comportamentos lamentáveis. O que leva pais e mães, que amam seus filhos, a agirem de forma tão contraditória? Este artigo mergulha nessa questão, explorando as causas por trás do mau comportamento dos pais nas competições infantojuvenis e como esse fenômeno é a prova viva e irrefutável do poder (e dos perigos) da educação pelo exemplo, pois as ações dos pais ensinam mais do que palavras.

Imagine um cenário: um campo de futebol infantil, com crianças de 11 e 12 anos se preparando para jogar. No campo, predominam a expectativa e a vontade de se divertir. Nas arquibancadas, porém, o clima é diferente: gritos, insultos à arbitragem, instruções aos berros e, em casos extremos, até ameaças e violência. Essa cena, infelizmente, é comum não apenas no Brasil, mas também em outros países, como evidenciam relatos ocorridos na Espanha. Este artigo examina as possíveis causas por trás desse mau comportamento parental e é uma prova tangível do princípio de que se educa pelo exemplo, tanto para o bem quanto para o mal.

O panorama do problema é mais que uma falta de educação, mau comportamento dos pais nas arquibancadas vai muito além de uns poucos gritos isolados. Ele se manifesta em um espectro alarmante de ações, tais como:

 · Pressão verbal e psicológica: gritar instruções, xingar os filhos por erros, exigir desempenho acima de suas capacidades.

· Agressão à arbitragem e aos adversários: xingamentos, insultos e questionamento agressivo das decisões do árbitro, bem como dirigir ofensas a jogadores do time adversário.

· Violência e comportamentos de risco: brigas entre torcedores, arremesso de objetos no campo e, em casos extremos, o porte de armas de fogo nas arquibancadas, como relatado em um jogo do Paulistão sub-12 em 2025.

A situação tornou-se tão crítica que federações esportivas precisaram intervir com medidas drásticas. A Federação Paulista de Futebol, por exemplo, implementou jogos com portões fechados nas categorias sub-11 e sub-12 como uma "medida educativa temporária" devido ao número crescente de ocorrências envolvendo adultos.

Muitos pais projetam inconscientemente nos filhos suas próprias ambições esportivas frustradas ou o desejo de sucesso e reconhecimento. O filho deixa de ser uma criança praticando um desporto e torna-se uma extensão do ego do pai. Como alerta o psiquiatra Fábio Barbirato: "Pais e mães devem ficar atentos para não projetarem nos filhos seus desejos recalcados ou frustrados, seja por vitórias ou mesmo uma dedicação ao esporte não vivida profissionalmente". A vitória do filho torna-se, assim, a própria vitória do pai e a derrota, uma falha pessoal.

Vivemos em uma sociedade que, frequentemente, glorifica o sucesso e o resultado, desvalorizando o processo, o esforço e o aprendizado. Esta cultura hipercompetitiva é importada para o desporto infantil. O resultado importa mais do que o desenvolvimento integral da criança, a diversão ou os valores de fair play. Essa distorção é agravada quando os próprios clubes e ligas tratam competições de base com a mesma seriedade e pressão de um campeonato profissional adulto sem o acompanhamento pedagógico que seria proporcionado adequadamente caso a disciplina da Educação Física retornasse como protagonista nas escolas.

Muitos pais perdem de vista o verdadeiro propósito do desporto na infância: desenvolver habilidades motoras, aprender a trabalhar em equipe, lidar com vitórias e derrotas e, acima de tudo, divertir-se. Eles enxergam o jogo através de uma lente adulta, onde as apostas são altas; esquecem-se de que, para a criança, a pressão já é inerente à situação. Uma criança que está em campo ou em quadra já se sente suficientemente pressionada a dar o melhor resultado possível, e ainda é obrigada a lidar com as cobranças dos pais ou responsáveis.

O comportamento agressivo nas arquibancadas espelha um mau comportamento social mais amplo. A pedagoga Tereza Halliday, ao refletir sobre os "males do Brasil", argumenta que maus comportamentos estão por toda parte, desde ciclistas que não respeitam calçadas até gestores públicos envolvidos em corrupção. Ela defende que: "A educação não é somente adquirir habilidades. Abrange ética e civilidade. Do contrário, o mau comportamento prevalece". A violência verbal e física no desporto profissional, frequentemente transmitida pela televisão, também normaliza e fornece um roteiro inadequado para os pais. É uma prova Irrefutável da educação pelo exemplo em ação negativa. Se há uma verdade universal extraída dos resultados de pesquisas, é que crianças aprendem pelo que observam, não apenas pelo que ouvem. O mau comportamento nas arquibancadas é a demonstração prática e triste deste princípio e deixa clara a incoerência entre discurso e ação.

Os pais, frequentemente, exigem que seus filhos tenham fair play, respeito com os adversários e aceitem as decisões do árbitro. No entanto, suas ações nas arquibancadas transmitem exatamente o oposto: que é aceitável xingar, agredir verbalmente e desrespeitar figuras de autoridade quando se discorda delas; esta incoerência é imediatamente percebida pela criança. Como afirma Içami Tiba: "O princípio fundamental da cidadania familiar é que não se deve fazer em casa o que não poderá fazer na sociedade, mas deve praticar em casa o que terá que fazer fora dela".

A arquibancada torna-se uma extensão da sociedade na qual os pais agem de modo contrário aos valores que pregam. Crianças são esponjas que absorvem e replicam os comportamentos que testemunham; crianças aprendem o que elas vivenciam e observam. Se o que elas percebem dos pais, na hora de uma competição, é destempero e cobrança, automaticamente estas ideias estarão introjetadas nelas. Um pai que grita "ladrão!" para o árbitro está, efetivamente, dando uma aula prática de que insultar é uma resposta válida à frustração. Não é surpreendente, então, que essas crianças possam replicar esse comportamento em campo, na escola ou em outros contextos sociais. Os pais são as principais figuras de autoridade e os principais modelos para uma criança; o que eles fazem possui um peso imensurável. O artigo "Educar pelo Exemplo: uma função da escola ou da família?" destaca que cabe à família orientar, formar, dar direcionamento moral e social. Quando este direcionamento é contradito pelas ações, a criança fica confusa e tende a valorizar mais a ação, pois ela é mais concreta e poderosa do que a palavra. Como resume Madre Teresa de Calcutá: "A palavra convence, mas o exemplo arrasta".

Reverter este cenário exige uma ação coordenada e consciente:

 1. Conscientização massiva: federações, clubes e escolas devem promover campanhas contínuas para os pais, como a campanha "Menos ódio, mais futebol" da FPF (Federação Paulista de Futebol), explicando o impacto negativo do seu comportamento e reafirmando o verdadeiro propósito do desporto infantil.

2. Códigos de conduta claros: implementar e fazer cumprir códigos de ética para pais e espectadores, com consequências claras para violações, como suspensões ou afastamento das arquibancadas.

3. Educação para os pais: oferecer palestras e workshops que abordem temas como pressão psicológica, desenvolvimento infantil e a importância do exemplo. Incluir testemunhos de atletas e especialistas.

4. Valorização do exemplo positivo: identificar e celebrar os pais que são modelos positivos nas arquibancadas, torcendo de forma respeitosa e incentivando o fair play.

5. Papel proativo das lideranças: técnicos e dirigentes devem assumir a liderança em criar um ambiente saudável. Devem comunicar-se claramente com os pais sobre as expectativas de comportamento e intervir calmamente quando necessário.

  • A arquibancada como sala de aula

A arquibancada de um campo desportivo infantil é, na realidade, uma das salas de aula mais importantes da vida de uma criança. É nela que lições profundas sobre respeito, civilidade, desportividade e gestão de emoções são ensinadas (ou desensinadas) diariamente por meio do exemplo mais visceral: o mau comportamento dos pais não é um deslize isolado; é uma aula prática de valores distorcidos.

A mudança começa com a compreensão de que cada grito, cada insulto e cada gesto de agressão é uma lição sendo ministrada. A escolha é clara: continuar a lecionar aulas de intolerância e frustração ou assumir conscientemente o papel de educador pelo exemplo, transformando a arquibancada num espaço onde o apoio incondicional, o respeito e a alegria genuína pelo jogo sejam os valores que, verdadeiramente, arrastam e moldam o carácter dos pequenos atletas e, consequentemente, o futuro da sociedade.

Antes de exigir uma atitude moral, seja o exemplo. O jogo das futuras gerações depende das escolhas que fazemos hoje nas arquibancadas e do retorno da Educação Física Escolar obrigatória em todos os níveis escolares.

(*) Carlos Alberto Rezende é conhecido como Professor Carlão. Siga no Instagram: @oprofcarlao.