Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas
A informalidade avança com os aplicativos e expõe o vácuo de proteção trabalhista

O motorista de aplicativo virou um personagem central na mudança do mercado de trabalho. As histórias de quem roda pela cidade mostram como a busca por autonomia, a queda na atratividade dos empregos formais e a necessidade de complementar renda empurraram milhares de trabalhadores para a informalidade, muitos por escolha, outros simplesmente porque não havia alternativa.
RESUMO
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O mercado de trabalho em Mato Grosso do Sul registrou crescimento de 20,9% na população ocupada entre 2012 e 2024, alcançando 1,420 milhão de trabalhadores. No período, houve mudanças significativas na composição dos postos, com queda na agropecuária e serviços domésticos, enquanto setores como alojamento, alimentação e transportes cresceram. Um dos destaques foi o aumento expressivo de 136% no número de trabalhadores que utilizam veículo próprio, chegando a 78 mil pessoas em 2024. O estado também registrou maior índice de formalização entre trabalhadores por conta própria e empregadores, com 41,2% possuindo CNPJ ativo, representando crescimento de 15% desde 2012.
Na comparação entre as Unidades da Federação, Mato Grosso do Sul ocupa a 4ª posição em percentual de trabalhadores que exercem sua atividade em veículo próprio, atrás apenas de Amazonas, Acre e Rondônia.
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A explosão do trabalho por aplicativo em Mato Grosso do Sul tem cada vez mais rostos, histórias e motivos que se cruzam. Eduardo Silva, de 47 anos, trabalha exclusivamente como motorista de aplicativo. Depois de dez anos entre vendas de seguros e móveis, decidiu abandonar o ritmo que já não entregava qualidade de vida.
“Trabalhando como vendedor, você não tem muita vida. Tem que bater ponto, cumprir meta. Aqui a gente tem nossa própria meta”, contou. Ele afirma que consegue manter o padrão de vida de antes, mas apenas porque “correndo, batendo as metas certinho”.
A rotina é flexível, mas nem sempre leve: “Pode ser que alguns dias a carga horária seja maior, mas um dia acaba compensando o outro.” Para ele, o emprego tradicional perdeu apelo. “Hoje em dia, com sites de entrega e tudo isso aí, larguei mão e vim para o Uber.”
César de Santos Lourenço, de 46 anos, dirige há dois anos e encontrou no aplicativo a única alternativa depois que a hamburgueria onde trabalhava fechou. “Eu me vi com o carro na mão. Foi a chance que eu tive de fazer um ganho”, disse.
Mas a escolha teve outros motivos: ele cuida do pai acamado e da mãe idosa. “Trabalhando dessa forma, tenho liberdade para parar e atendê-los.” César afirma que hoje ganha até mais que quando era CLT. “Às vezes você trabalha um pouco mais, dependendo do período do mês. Prefiro trabalhar mais.”
Ele resume sua realidade: “O salário como CLT não está valendo a pena. Pra quem é pai de família e quer dar uma vida mais confortável pros filhos, o mercado oferece cada vez menos. Então a gente pega o que tem e segue.”
Já Luan Borba, de 35 anos, representa outro lado dessa transformação: o motorista que usa a Uber como segunda renda. Ele é dono de um restaurante, mas continua dirigindo nos aplicativos há oito ou nove anos, desde que deixou o emprego de cobrador funerário. “Aqui eu tenho mais liberdade. Ganho um pouco a mais, posso trabalhar mais”, explicou.
A Uber, segundo ele, foi uma porta de entrada para empreender: “Foi uma saída, né?” Hoje, escolhe quando compensa rodar. “Em alguns horários é bom. Em horário de pico compensa.” Mesmo com a restauração como renda principal, ele diz que a lógica se mantém: “Trabalhar mais e ter uma vida melhor, né? Sendo meu próprio chefe.”
As histórias dos três apontam para um mesmo retrato: o trabalho por aplicativo virou símbolo do novo mercado laboral sul-mato-grossense. Flexibilidade e chance de ganho são atrativos evidentes. Mas a instabilidade, as longas jornadas e a ausência de direitos mostram como a informalidade se tornou, ao mesmo tempo, porta de entrada e armadilha.
Os dados da PNAD Contínua confirmam essa guinada. Entre 2012 e 2024, Mato Grosso do Sul viu a população ocupada crescer 20,9%. Mas o que mais chama atenção é a explosão de motoristas e entregadores: eram 33 mil em 2012, e passaram para 78 mil em 2024, um salto de 136%.
Hoje, 6,9% dos ocupados atuam literalmente sobre rodas, acompanhando uma economia que migra para serviços digitais, entregas e trabalho sob demanda. Ao mesmo tempo, sindicatos perderam força e atingiram o menor índice da série, enquanto o número de trabalhadores por conta própria segue elevado, mesmo com ligeira queda em 2024.
A mudança é estrutural: setores como agropecuária e serviço doméstico recuaram, enquanto alojamento, alimentação e transporte cresceram. São áreas diretamente influenciadas por plataformas digitais, aplicativos e modelos flexíveis.
No fim das contas, os motoristas resumem, com a própria vida, o que os números mostram. Eles são a linha de frente da nova economia de Mato Grosso do Sul: trabalhadores que decidiram, ou foram empurrados, a abrir mão da segurança para tentar construir autonomia, ainda que isso signifique viver entre a liberdade e a incerteza de um trabalho que não para nunca.
Setores econômicos mudaram de tamanho

A série histórica revela alterações significativas na composição dos postos de trabalho: Agropecuária: caiu de 12% em 2012 para 10% em 2024, perdendo espaço na estrutura ocupacional. Serviços domésticos: também recuaram, de 8,1% para 6,9%. Administração pública, educação e saúde: permaneceram entre os maiores empregadores, variando entre 16,7% e 19,4% ao longo do período. Comércio: manteve estabilidade, oscilando entre 19% e 21% da força de trabalho. Alojamento e alimentação: tiveram alta, passando de 4,8% para 6,4%. Transporte e armazenagem: cresceram de 4% para 4,6%.
Os dados mostram que, enquanto o agro perdeu força relativa, cadeias ligadas a serviços urbanos e logística tiveram expansão, refletindo o avanço de centros urbanos e da economia de consumo.
Em 2024, Mato Grosso do Sul registrou 365 mil trabalhadores por conta própria e empregadores, 2,9% a menos do que no ano anterior, mas ainda muito acima do registrado em 2012. O Estado também alcançou o maior percentual da série histórica de formalização entre esses grupos: 41,2% tinham CNPJ ativo, um crescimento de 15% em relação a 2012. Entre os trabalhadores por conta própria, 32,1% eram formalizados, enquanto 79% dos empregadores tinham registro empresarial.
Um dos indicadores que mais mudaram foi a associação a sindicatos. Em 2017, MS (Mato Grosso do Sul) tinha 188 mil trabalhadores sindicalizados. Em 2023, caiu para o menor nível da série: 5,8% dos ocupados. Em 2024, subiu para 6,4%, totalizando 91 mil pessoas e interrompendo seis anos de queda.
A associação a cooperativas permaneceu praticamente estável por mais de uma década, mas caiu em 2024: eram 16 mil cooperados em 2012. Mantiveram-se em 16 mil até 2023. Caíram para 15 mil em 2024, acompanhando a redução no total de conta própria e empregadores.
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