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Economia

Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas

A informalidade avança com os aplicativos e expõe o vácuo de proteção trabalhista

Por Gabi Cenciarelli | 20/11/2025 18:01
Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas
Motorista de aplicativo atua em avenida movimentada de Campo Grande na tarde desta quinta-feira (20). (Foto: Marcos Ermínio)

O motorista de aplicativo virou um personagem central na mudança do mercado de trabalho. As histórias de quem roda pela cidade mostram como a busca por autonomia, a queda na atratividade dos empregos formais e a necessidade de complementar renda empurraram milhares de trabalhadores para a informalidade, muitos por escolha, outros simplesmente porque não havia alternativa.

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O mercado de trabalho em Mato Grosso do Sul registrou crescimento de 20,9% na população ocupada entre 2012 e 2024, alcançando 1,420 milhão de trabalhadores. No período, houve mudanças significativas na composição dos postos, com queda na agropecuária e serviços domésticos, enquanto setores como alojamento, alimentação e transportes cresceram. Um dos destaques foi o aumento expressivo de 136% no número de trabalhadores que utilizam veículo próprio, chegando a 78 mil pessoas em 2024. O estado também registrou maior índice de formalização entre trabalhadores por conta própria e empregadores, com 41,2% possuindo CNPJ ativo, representando crescimento de 15% desde 2012.

Na comparação entre as Unidades da Federação, Mato Grosso do Sul ocupa a 4ª posição em percentual de trabalhadores que exercem sua atividade em veículo próprio, atrás apenas de Amazonas, Acre e Rondônia.

A explosão do trabalho por aplicativo em Mato Grosso do Sul tem cada vez mais rostos, histórias e motivos que se cruzam. Eduardo Silva, de 47 anos, trabalha exclusivamente como motorista de aplicativo. Depois de dez anos entre vendas de seguros e móveis, decidiu abandonar o ritmo que já não entregava qualidade de vida.

“Trabalhando como vendedor, você não tem muita vida. Tem que bater ponto, cumprir meta. Aqui a gente tem nossa própria meta”, contou. Ele afirma que consegue manter o padrão de vida de antes, mas apenas porque “correndo, batendo as metas certinho”.

Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas
Eduardo Silva em entrevista sobre mercadod e trabalho (Foto: Osmar Veiga)

A rotina é flexível, mas nem sempre leve: “Pode ser que alguns dias a carga horária seja maior, mas um dia acaba compensando o outro.” Para ele, o emprego tradicional perdeu apelo. “Hoje em dia, com sites de entrega e tudo isso aí, larguei mão e vim para o Uber.”

César de Santos Lourenço, de 46 anos, dirige há dois anos e encontrou no aplicativo a única alternativa depois que a hamburgueria onde trabalhava fechou. “Eu me vi com o carro na mão. Foi a chance que eu tive de fazer um ganho”, disse.

Mas a escolha teve outros motivos: ele cuida do pai acamado e da mãe idosa. “Trabalhando dessa forma, tenho liberdade para parar e atendê-los.” César afirma que hoje ganha até mais que quando era CLT. “Às vezes você trabalha um pouco mais, dependendo do período do mês. Prefiro trabalhar mais.”

Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas
César de Santos Lourenço, motorista de aplicativo (Foto: Gabi Cenciarelli)

Ele resume sua realidade: “O salário como CLT não está valendo a pena. Pra quem é pai de família e quer dar uma vida mais confortável pros filhos, o mercado oferece cada vez menos. Então a gente pega o que tem e segue.”

Já Luan Borba, de 35 anos, representa outro lado dessa transformação: o motorista que usa a Uber como segunda renda. Ele é dono de um restaurante, mas continua dirigindo nos aplicativos há oito ou nove anos, desde que deixou o emprego de cobrador funerário.  “Aqui eu tenho mais liberdade. Ganho um pouco a mais, posso trabalhar mais”, explicou.

A Uber, segundo ele, foi uma porta de entrada para empreender: “Foi uma saída, né?” Hoje, escolhe quando compensa rodar. “Em alguns horários é bom. Em horário de pico compensa.” Mesmo com a restauração como renda principal, ele diz que a lógica se mantém: “Trabalhar mais e ter uma vida melhor, né? Sendo meu próprio chefe.”

Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas

As histórias dos três apontam para um mesmo retrato: o trabalho por aplicativo virou símbolo do novo mercado laboral sul-mato-grossense. Flexibilidade e chance de ganho são atrativos evidentes. Mas a instabilidade, as longas jornadas e a ausência de direitos mostram como a informalidade se tornou, ao mesmo tempo, porta de entrada e armadilha.

Os dados da PNAD Contínua confirmam essa guinada. Entre 2012 e 2024, Mato Grosso do Sul viu a população ocupada crescer 20,9%. Mas o que mais chama atenção é a explosão de motoristas e entregadores: eram 33 mil em 2012, e passaram para 78 mil em 2024, um salto de 136%.

Hoje, 6,9% dos ocupados atuam literalmente sobre rodas, acompanhando uma economia que migra para serviços digitais, entregas e trabalho sob demanda. Ao mesmo tempo, sindicatos perderam força e atingiram o menor índice da série, enquanto o número de trabalhadores por conta própria segue elevado, mesmo com ligeira queda em 2024.

A mudança é estrutural: setores como agropecuária e serviço doméstico recuaram, enquanto alojamento, alimentação e transporte cresceram. São áreas diretamente influenciadas por plataformas digitais, aplicativos e modelos flexíveis.

No fim das contas, os motoristas resumem, com a própria vida, o que os números mostram. Eles são a linha de frente da nova economia de Mato Grosso do Sul: trabalhadores que decidiram, ou foram empurrados, a abrir mão da segurança para tentar construir autonomia, ainda que isso signifique viver entre a liberdade e a incerteza de um trabalho que não para nunca.

Setores econômicos mudaram de tamanho 

Mato Grosso do Sul chega ao 4º lugar nacional em trabalho sobre rodas

A série histórica revela alterações significativas na composição dos postos de trabalho: Agropecuária: caiu de 12% em 2012 para 10% em 2024, perdendo espaço na estrutura ocupacional. Serviços domésticos: também recuaram, de 8,1% para 6,9%. Administração pública, educação e saúde: permaneceram entre os maiores empregadores, variando entre 16,7% e 19,4% ao longo do período. Comércio: manteve estabilidade, oscilando entre 19% e 21% da força de trabalho. Alojamento e alimentação: tiveram alta, passando de 4,8% para 6,4%. Transporte e armazenagem: cresceram de 4% para 4,6%.

Os dados mostram que, enquanto o agro perdeu força relativa, cadeias ligadas a serviços urbanos e logística tiveram expansão, refletindo o avanço de centros urbanos e da economia de consumo.

Em 2024, Mato Grosso do Sul registrou 365 mil trabalhadores por conta própria e empregadores, 2,9% a menos do que no ano anterior, mas ainda muito acima do registrado em 2012. O Estado também alcançou o maior percentual da série histórica de formalização entre esses grupos: 41,2% tinham CNPJ ativo, um crescimento de 15% em relação a 2012. Entre os trabalhadores por conta própria, 32,1% eram formalizados, enquanto 79% dos empregadores tinham registro empresarial.

Um dos indicadores que mais mudaram foi a associação a sindicatos. Em 2017, MS (Mato Grosso do Sul) tinha 188 mil trabalhadores sindicalizados. Em 2023, caiu para o menor nível da série: 5,8% dos ocupados. Em 2024, subiu para 6,4%, totalizando 91 mil pessoas e interrompendo seis anos de queda.

A associação a cooperativas permaneceu praticamente estável por mais de uma década, mas caiu em 2024: eram 16 mil cooperados em 2012. Mantiveram-se em 16 mil até 2023. Caíram para 15 mil em 2024, acompanhando a redução no total de conta própria e empregadores.

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