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Educação e Tecnologia

Estudos do Brasil e Portugal revelam modo de vida de povos ancestrais em MS

Expedição na Gruta da Mesa, em Alcinópolis, coloca Estado como ponto de encontro de culturas pré-históricas

Por Inara Silva | 07/08/2025 17:37


RESUMO

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Escavações arqueológicas em Mato Grosso do Sul, lideradas pela arqueóloga Lia Brambilla, revelam detalhes sobre o modo de vida dos primeiros habitantes da região. O projeto Trilha Rupestre, da UFMS, identificou indícios de convivência entre humanos e megafauna, além de diversas culturas pré-históricas. Em Alcinópolis, foram encontrados artefatos líticos, pinturas rupestres e sementes queimadas, que estão em análise para datação e identificação. O programa, que integra pesquisadores de várias instituições, busca compreender a origem dos povos ancestrais e promover o desenvolvimento local. Oficinas de cerâmica, turismo e aproveitamento de alimentos nativos são algumas das iniciativas que beneficiam as comunidades. O projeto, iniciado em 2021, tem previsão de conclusão em 2026 e já registrou presença humana na região há mais de 12 mil anos.

Escavações arqueológicas em Mato Grosso do Sul ajudam a reconstituir o modo de vida dos primeiros habitantes da região, com achados que podem mudar o que se sabe sobre a história local. Liderado pela arqueóloga Lia Raquel Toledo Brambilla Gasques, o programa Trilha Rupestre da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) tem revelado indícios de uma convivência ancestral com a megafauna e a presença de diversas culturas pré-históricas, dada a localização estratégica do Estado no coração da América do Sul.

O resultado demonstra que o trabalho minucioso e desafiador de escavação em cavernas vai muito além da datação de objetos. Os pesquisadores querem compreender como e onde viviam esses povos pioneiros. Em sua mais recente expedição, em Alcinópolis, a 311 km de Campo Grande, o grupo trouxe material da Gruta da Mesa, no Monumento Natural Serra do Bom Jardim, que poderá contribuir para novas respostas aos questionamentos dos pesquisadores.

Com 41 sítios arqueológicos, Alcinópolis é um dos 16 municípios do Estado que são alvo de estudos do projeto Trilha Rupestre.

Estudos do Brasil e Portugal revelam modo de vida de povos ancestrais em MS
Pesquisadores realizam escavações na Gruta da Mesa, em Alcinópolis (Foto: Arquivo Pessoal)

Expedição Anual 

Foi a terceira expedição anual ao sítio arqueológico e contou com o trabalho integrado de pesquisadores de Santa Catarina (Unesc), Rio Grande do Sul (UFSM) e Portugal (Instituto Politécnico de Tomar), num total de 15 pessoas, entre professores e estudantes de Mestrado, Doutorado e Graduação.

Durante dez dias em julho, o grupo escavou um metro de profundidade, coletando 30 peças, incluindo sedimentos de pinturas rupestres, carvões, artefatos líticos (pedra lascada e pedra polida) e sementes queimadas, como as de baru, que estão agora em processo de análise para datação e identificação.

Lia Brambilla é a coordenadora-geral do Projeto de Escavação da Gruta da Mesa, e o professor André Soares, da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), coordena o trabalho de campo.

A professora afirma que as duas escavações anteriores, a 45 cm de profundidade, já haviam revelado vestígios da presença humana no local por volta de 1.400 anos. Desta vez, a equipe espera obter dados mais esclarecedores, pois chegaram a um metro e utilizaram novas metodologias para recolher os grafismos.

Estudos do Brasil e Portugal revelam modo de vida de povos ancestrais em MS
Equipe reunida para foto na Gruta da Mesa, em Alcinópolis (Foto: Arquivo Pessoal)

Megafauna e diferentes culturas

A pesquisadora afirma que os indícios coletados em Alcinópolis sugerem a coexistência entre os seres humanos e a megafauna, como o tigre-dente-de-sabre, criptodonte (tatu gigante) e a preguiça-gigante. Representações desses animais foram encontradas em algumas cavernas, e marcas de arranhões próximas a desenhos rupestres reforçam essa hipótese.

As pinturas rupestres da região, em sua maioria, exibem formas simbólicas e geométricas, com representações isoladas de objetos, animais, figuras como de grávidas e do sol, diferentemente das cenas, como de caça ou pesca, observadas em outras localidades. A diversidade de estilos em Alcinópolis indica a passagem e o assentamento de diferentes culturas.

Segundo a pesquisadora, a diversidade populacional atual de Mato Grosso do Sul já era tendência desde a pré-história, como sugerem os achados. Brambilla ressalta que muitos objetos arqueológicos encontrados em Alcinópolis coincidem com o estilo registrado em Cerro Corá, no Paraguai,  na fronteira com o Mato Grosso do Sul.

Lia Brambilla explica que há indícios de que a região, que é centro da América do Sul, servia como ponto de encontro e passagem para diversos grupos nômades, sendo que alguns acabavam se instalando na região, tornando-se os ancestrais dos sul-mato-grossenses.

Estudos do Brasil e Portugal revelam modo de vida de povos ancestrais em MS
Pesquisadora faz a separação de material coletado (Foto: Arquivo Pessoal)

Compreender a origem

A Trilha Rupestre é um programa interdisciplinar dividido em sete eixos: Arqueológico, Arte cerâmica, Botânico, Geopaleontológico, Químico farmacêutico, Alimentos e Turismo. A proposta, que é uma extensão universitária, permite que o conhecimento gerado também beneficie diretamente as comunidades, com oficinas de cerâmica, aproveitamento de alimentos e estímulo ao turismo.

Para Lia Brambilla, compreender a origem dos primeiros povos é essencial para que a população valorize a história e a diversidade cultural do Estado.

Ela acredita que “agora (três anos de atividades) é que as pessoas estão compreendendo a importância deste trabalho que tem resultados que atingem diretamente à população.”

Durante as escavações, por exemplo, o grupo contou com visitas de moradores locais, sendo que alguns também se dispuseram a ajudar o trabalho dos cientistas.

Estudos do Brasil e Portugal revelam modo de vida de povos ancestrais em MS
Equipe faz trabalho minusioso de escavação na rocha. (Foto: Arquivo Pessoal)

Resultados práticos

Em Alcinópolis, o projeto promove oficinas de receitas com frutos nativos, como jatobá, guavira e baru. Também desenvolve cosméticos com essências do cerrado e capacita moradores para atividades turísticas, como forma de geração de renda.

Em 2024, durante a Semana da Arqueologia em Alcinópolis, foram realizadas oficinas para o preparo de receitas com jatobá, guavira e baru. O propósito foi incentivar os empreendimentos locais a utilizarem plantas da região e fomentar o turismo.

Na área químico-farmacêutica têm sido desenvolvidos produtos com aromas e óleos essenciais do cerrado. Já o eixo de turismo tem oferecido oficinas de capacitação da população para gerar renda, valorizando o patrimônio cultural local.

Trilha Rupestre 

O programa reúne 49 pesquisadores e teve início em 2021, com previsão de conclusão em 2026. Até agora, os registros mais antigos apontam presença humana em Chapadão do Sul há 12,4 mil anos. Há também evidências em Alcinópolis (10,7 mil anos), Aquidauana (10,1 mil) e Ladário (8.230 anos).

O programa tem apoio da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), governo do Estado, Prefeitura de Alcinópolis e Cointa (Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari).