Che Guevara em MS: Mito ou fake? Historiadores decifram lenda
Passagem do guerrilheiro por aqui levanta dúvidas até hoje, e professores explicam de uma vez por todas
Você já deve ter ouvido alguém jurar que Che Guevara andou por Mato Grosso do Sul e, melhor ainda, que se hospedou no histórico Hotel Gaspar, no coração de Campo Grande. A história pegou tão forte no imaginário popular que até a música de Geraldo Roca e Paulo Simões não foi poupada: teria o guerrilheiro embarcado rumo à Bolívia no Trem do Pantanal? Afinal, isso é só lenda ou existe um fundo de verdade?
RESUMO
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O mito da passagem de Che Guevara por Mato Grosso do Sul permanece vivo no imaginário popular, especialmente sua suposta hospedagem no Hotel Gaspar, em Campo Grande, e sua fuga pela ferrovia do Trem do Pantanal. Historiadores, no entanto, afirmam não haver registros oficiais dessa presença. A única conexão comprovada de Che com o estado é indireta: em 1961, quando ministro cubano, recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul do então presidente Jânio Quadros, campo-grandense, em cerimônia no Palácio do Planalto. O guerrilheiro foi executado em 1967 na Bolívia, após tentativas de expandir a revolução pela América do Sul.
Para tirar essa dúvida de uma vez por todas, o Lado B trouxe, no aniversário do Estado, três historiadores. Marcelo Piccolli explica que Che foi executado pelo exército boliviano em 9 de outubro de 1967 e que foi aí que o mito começou.
O jovem médico argentino alcançou o que muitos classificam como seu maior feito ao lado de Fidel Castro: derrubar o governo de Fulgêncio Batista e tomar Cuba em 1959. Para a população local, ele virou uma lenda e um revolucionário para 'o resto do mundo'. “O Exército boliviano matou o homem, mas, ironicamente, deu vida ao símbolo”, comenta Marcelo.
Segundo o historiador, apesar de não existir nenhum registro da presença de Che em Mato Grosso do Sul, há um detalhe que o conecta indiretamente a Campo Grande.
“Em 19 de agosto de 1961, Che, que na época era ministro da Indústria de Cuba, fez uma visita oficial ao Brasil. Durante essa visita, ele foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros, um campo-grandense. Jânio entregou a Che a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a maior honraria brasileira destinada a estrangeiros. A cerimônia aconteceu no Salão Verde do Palácio do Planalto.”
Mas e o hotel e o trem rumo à Bolívia?
A atual dona do Hotel Christian Gaspar não dá certeza de que Che esteve por lá. Pelo menos ela não se lembra de ter ouvido alguém se hospedar com esse nome. Ao Lado B, ela brinca que um fugitivo da guerra não chegaria ao balcão cheio de orgulho, falando o nome em alto som. “O homem até pode ter dormido ali, mas isso é algo que ninguém garante.”
Embora muita gente diga que a música Trem do Pantanal faz referência a Che Guevara, não há nenhuma evidência na letra que confirme isso. O próprio Geraldo Roca chegou a desmentir a hipótese em entrevistas, mas a associação dele à música permaneceu.
“Existe uma interpretação interessante sobre isso: a ideia de que a música conta a história de um jovem comunista fugindo da ditadura militar brasileira, que teria embarcado no Trem do Pantanal rumo a Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o que era relativamente comum naquele contexto dos Anos de Chumbo (1968–1979), durante a vigência do AI-5 (Ato Institucional nº 5). A rota da Bolívia era um corredor de fuga para pessoas engajadas nos movimentos de resistência ao regime.”

Segundo ele, é nesse período que as pessoas acreditam que Che de fato esteve por aqui. “A música acaba carregando esse espírito de liberdade e pertencimento à terra, o que alimenta ainda mais as especulações. No fim das contas, a conexão de Che Guevara com Mato Grosso do Sul é mais simbólica do que real. Mas, como toda boa lenda, ela continua viva no imaginário popular e faz parte do nosso jeito de contar histórias.”
O professor Valdery Ferreira Zotelli relembra que a década de 1960 foi um período conhecido como “caça às bruxas" e que isso aumentou os mitos.
“Os Estados Unidos, coordenados junto aos países e ditaduras que surgiram com eles, fizeram uma caça às bruxas ao pensamento comunista dentro dos países. Ele era o grande expoente disso; era guerrilheiro e médico. A representatividade faz criar toda essa fama em cima do nome dele.”
Para ele, existem duas maneiras de analisar a passagem de Che pelo país. A primeira é pelos títulos oficiais, inclusive pelos títulos de honraria que recebeu. A segunda é também pelos registros imaginários, os mitos que também contam.
“Alguns documentos dizem que, durante alguns anos, a ditadura militar brasileira fez uma vigilância sobre o nome do Che no Brasil, querendo capturá-lo, mas nunca se provou que ele esteve em Mato Grosso do Sul.”
Segundo Zotelli, esses mitos se reforçam principalmente porque a última batalha dele e seu último movimento ocorreram justamente na Bolívia, bem próxima do Brasil.
“A presença é citada no Hotel Gaspar, que realmente seria uma ligação com a Bolívia por meio do trem da Noroeste do Brasil. Essa presença se dá principalmente por conta da guerrilha; era uma região isolada e fácil para se esconder. Por isso, as pessoas falam sobre a presença dele.”
Quem já ouviu aos montes os mitos foi a professora Sophia Fontana. Ela explica que, de acordo com a academia, não há comprovação científica da passagem de Che Guevara pelas terras de Mato Grosso do Sul, e sim por países vizinhos, como a Bolívia e a Argentina.
“Principalmente no interior, há muitos boatos sobre sua passagem em cidades como Corumbá, que faz divisa com a Bolívia. Essa proximidade do país com a cidade de fronteira aumenta as especulações sobre uma possível passagem do líder e seu grupo pelo nosso território.”
No final da vida, Che e seu grupo, interessados em ampliar os resultados da Revolução Cubana para os demais países da América do Sul, estiveram presentes em nações vizinhas, como a Argentina e a Bolívia, mas Che foi capturado pelo Exército boliviano, com a ajuda da CIA, e executado a tiros.
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