O amor é um erro: Ana Suy dá “tapa na cara” da plateia na Bienal
Para amar é preciso abrir mão do narcisismo, afirmou psicanalista que falou sobre amor em tempos de Tinder
“O amor é um erro.” Foi com essa frase que a autora e psicanalista Ana Suy deu “um tapa na cara” da plateia durante a palestra na Bienal Pantanal, nesta sexta-feira (10). Com o tema “O amor em tempos de Tinder”, ela surpreendeu o público com conceitos freudianos em uma verdadeira “sessão de terapia em grupo”.
RESUMO
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A psicanalista Ana Suy surpreendeu o público da Bienal Pantanal com a palestra "O amor em tempos de Tinder", onde apresentou uma visão realista sobre relacionamentos. Para ela, o amor é um erro na matriz do narcisismo, exigindo que as pessoas desinvistam da própria imagem para investir no outro. Durante quase duas horas, Suy explicou que o amor é moldado pelo inconsciente e experiências individuais, formando um "artesanato" único para cada pessoa. Sobre aplicativos de relacionamento, a especialista não os critica diretamente, mas alerta para a frustração e falta de tempo para processar perdas emocionais na era digital.
Embora pareça duro de ouvir, a frase faz parte do conceito que vê o amor como um problema de narcisismo, onde acontece um erro na “matriz” e a nossa atenção se volta ao outro. Ela explica que amar é um problema de autoestima, de desinvestir da imagem que temos de nós mesmos para poder investir no outro.
Ao todo, 921 pessoas assistiram, atentas, à palestra enquanto ela quebrava o ideal de amor que muitos têm. Para Ana, amar é um exercício trabalhoso que nem todos estão dispostos a enfrentar, e o sofrimento por ele vem de perdas narcísicas, perdas de nós mesmos, do que achávamos que éramos e não do outro.
“Para amar é preciso abrir mão do narcisismo. Porque, se eu tudo tenho, tudo sou, tudo acontece, no que é que o outro vai me interessar? Então, o outro só me interessa na medida em que eu perco o narcisismo de alguma forma, porque tem alguma coisa que está fora de mim que me interessa. Mas, ao mesmo tempo, o amor é narcísico, porque me interessa no outro uma coisa que é cara para mim. Então, quando a gente ama, a gente idealiza.”
Apesar de uma visão realista e mais dura, Ana é esperançosa sobre o tema. Ela diz que o amor é uma espécie de milagre por ser muito difícil e que não critica os aplicativos de relacionamento. Para ela, o problema não está neles propriamente, mas na frustração desencadeada e na falta de tempo para viver lutos.
“Em tese, a gente poderia sucumbir ao uso da tecnologia, ao gostosinho dos algoritmos, e apenas abrir mão disso. E, no entanto, não. A gente está querendo saber do amor, querer se interessar pelo outro, porque a gente precisa disso. A gente precisa do amor para que possamos suportar a vida. Não é nem dar sentido, é poder suportar. A gente precisa dar alguma medida de sentido, e, pra mim, nada funciona melhor que o amor.”
Mas, afinal, o que é o amor? Quando se fala sobre ele, existe uma convenção social de que todos estão tratando do mesmo assunto: namoro, casamento, a busca pela “cara-metade”. Embora, na prática, cada pessoa tenha uma história diferente com isso.
Segundo Ana, o amor é moldado pelo inconsciente. A forma como alguém ama é resultado de um conjunto de experiências, como a família que teve, a maneira como viu os adultos se relacionarem, o modo como foi tratado na infância, os filmes e livros que consumiu e as referências culturais e afetivas que assimilou.
E o Tinder?
Ana explica que, em aplicativos de relacionamento, como o Tinder, a busca amorosa revela mais sobre o inconsciente do que sobre o outro. A gente diz querer algo, mas, quando encontra exatamente isso, muitas vezes perde o interesse. O amor, longe de nos completar, nos desorganiza e rouba o ideal que criamos de nós mesmos.
A gente tem essa fantasia infantil do amor de que ele poderia nos livrar da solidão, porque o amor seria um encontro com a versão de mim mesmo: a cara-metade, a tampa da panela, a metade da laranja, que eu não vou mais sentir tristeza, que estaremos completos e não vai mais ter vazios. É o contrário. A gente pensa que o amor vai atender o nosso ideal e, na verdade, o amor rouba daquilo que achamos que era a vida, nós mesmos.
Para ela, estar nos aplicativos não é sinal de falta de vínculo afetivo. Ana define como uma faca de dois gumes: cria-se vínculo, mesmo que superficial, mas há uma exaustão de oferta e informações.
“Por um lado, a gente cria vínculos. Pode conhecer pessoas que não conheceria nunca, se aproximar de gente que jamais se aproximaria. A gente tem acesso a uma quantidade de informação que, em outros tempos, demoraria talvez anos para ter, e a gente tem em um dia. Então, a gente vai ficando meio molenga das ideias.”
Para ela, um dos problemas do nosso tempo é a falta de tempo, que implica na história do flerte e, sobretudo, na capacidade de elaborar luto, que não tem a ver só com morte. O que a gente cria na nossa cabeça tem efeito, e isso também engloba as decepções. “Se a gente pula de um negócio para o outro sem aprofundar, é como um burnout.”
Tudo o que é seu está guardado
A psicanalista explica que o amor é trabalho de linguagem e que, para amar, é preciso ler. Porque quando lemos, fazemos um exercício precioso, que é o de entrar na cabeça de alguém por um tempo.
“A gente tem a possibilidade, o luxo de existir para além da gente, através da leitura. E quem não sabe fazer isso não sabe amar. Quem não consegue ensaiar a sair de si fica fechado em si e confunde amar com exigir, o que é algo muito fácil de confundir, especialmente em tempos de Tinder.”
Ela comenta que a expressão é muito menos relacionada ao aplicativo específico e muito mais à lógica supostamente amorosa que existe no nosso tempo, que é a lógica de que "o que é teu está guardado.”
A ideia traz a sensação de que não é preciso esforço para entender o outro, já que se não der certo, é porque “não era para ser”, como dizem.
“Como eu sei que é amor? Quem ama trai? Quem ama faz isso? Quem ama faz aquilo? O amor acaba?” São perguntas que orbitam em torno da fantasia que a gente tem de indestrutibilidade amorosa.
Para ela, o amor se faz falando, porque a gente só fala com quem supõe que não é a gente mesma.
“Eu só preciso falar se eu conseguir supor que o outro não está dentro dos meus pensamentos e que eu preciso explicar para o outro como é que eu funciono. E não é explicar para exigir que o outro já soubesse, é explicar reconhecendo o outro na sua diferença e, inclusive, se interessar por saber como é que o outro funciona. Porque a gente fala a mesma língua apenas em aparência".
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