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Comportamento

Com copo na mão e livro na outra, clube leva literatura a bares

Criado por três amigas, clube se reúne todo mês para levar a literatura à mesa como uma "conversa de bar"

Por Mylena Fraiha | 16/07/2025 06:20
Com copo na mão e livro na outra, clube leva literatura a bares
Participantes do Clube do Tim-Tim reunidos no Bar Jardim Secreto para discutir o livro “Memória de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel García Márquez (Foto: Redes sociais).

Com um copo na mão e um livro no outro, discutir literatura do jeito “boêmio” é a proposta do Clube do Tim-Tim, grupo de leitura criado por três amigas que se reúnem uma vez por mês para brindar os clássicos da literatura latino-americana, em mesas de diferentes bares espalhadas por Campo Grande.

A ideia surgiu entre uma cerveja e outra, durante os encontros das amigas Maria Fernanda Figueiró, Giovanna Bastos e Vitória Regina de Almeida Correia. Elas explicam que a amizade entre elas já era marcada por trocas sobre arte, política, psicologia e literatura, mas sempre com leveza e descontração, entre conversas que corriam soltas como toda boa prosa de bar.

Literatura, aliás, sempre esteve presente na trajetória das três. Maria Fernanda é psicóloga, artista da dança e mestranda em história da psicologia. Vitória também é psicóloga, com o mesmo percurso acadêmico, e editora da Revista Badaró. Giovanna, por sua vez, é agrônoma, cursa Letras e faz mestrado em estudos culturais. Todas, de alguma forma, carregam no dia a dia a inquietação de quem lê o mundo com sensibilidade. “É uma mistura de todas essas nossas referências e atuações”, explica Maria.

Foi dessa convivência que nasceu o desejo de ampliar a roda. Giovanna lembra que a vontade de dividir a paixão pelos livros foi crescendo a cada encontro. “Foi surgindo aos poucos durante nossas conversas noturnas, dividindo cervejas e mesas de bares e falando sobre literatura. A vontade de agregar mais pessoas que compartilham o mesmo carinho pela literatura à nossa conversa foi o que nos motivou a criar o Clube do Tim-Tim".

Maria Fernanda também pontua que, lá no início do clube, foi até usada como referência a música do Luiz Gonzaga, “Mesa de Bar”, que ficou famosa na voz da Alcione. “Ela fala que mesa de bar é lugar para todo tipo de papo da vida rolar. ‘Do futebol até a danada da inflação’, como diz a letra. A gente se viu muito ali, nesse exercício de democracia que, muitas vezes, o bar representa na vida noturna, nos encontros, nas trocas. E, entre esses vários assuntos, a literatura sempre foi um deles”, relata Maria Fernanda.

Com copo na mão e livro na outra, clube leva literatura a bares
Participantes do Clube do Tim-Tim reunidos no Bar Jardim Secreto após discutir o livro “Memória de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel García Márquez (Foto: Redes sociais).

Criado em outubro do ano passado, a proposta do Tim-Tim é clara: brindar autores da América Latina com leveza, sem academicismo, num espaço de troca acessível para quem ama literatura ou está apenas começando a se interessar por ela. E a ideia é não repetir bar. Já estiveram no Eden Beer, Bar do Japonês, Bar Jardim Secreto, Onça Bar, Capivas Cevejaria, Cervejaria Prosa, Bar Mercearia e Porks Cervejaria.

Segundo elas, a escolha pelo nome “Tim-Tim” veio quase como um brinde ao que o grupo representa: encontros, celebração e conversa solta. Vitória diz que o nome foi pensado como metáfora para esse tilintar de copos que simboliza encontro e partilha. “Ao longo da conversa, foram considerados diversos nomes, mas chegamos à conclusão de que nenhum expressava com tanta propriedade a proposta quanto Tim-Tim, aludindo ao tilintar dos copos no gesto do brinde, imagem que remete ao encontro, à partilha e à celebração”, explica Vitória.

Identidade em pauta – Além da questão dos bares, outra proposta do grupo é discutir obras de autores e autoras da América Latina, com foco em nomes muitas vezes esquecidos ou invisibilizados pelo mercado editorial. Maria vê nessa escolha uma forma de afirmar identidade e valorizar uma produção que fala de colonização, desigualdades e memória. “A literatura latino-americana carrega muita história e também nos ajuda a repensar o que é ser brasileiro dentro desse território cultural que compartilhamos.”

A cada nova edição, surgem relatos de quem nunca teria conhecido certo autor se não fosse pelo clube. Para as fundadoras, isso é um dos maiores presentes do projeto: descobrir junto, ler o que nunca se imaginou ler.

O que mais escutamos é que as pessoas alegam que não teriam lido ou conhecido um determinado título senão através do Clube. Isso é muito legal e também acontece conosco. Estamos sempre pesquisando obras e autores para as indicações e muitas vezes nos acontece de ler algo inédito. Percebemos nesse processo também que a literatura produzida na América Latina é muito ampla e acabamos lendo pela primeira vez um clássico de determinado país que talvez sem essa pesquisa para o clube não conheceríamos”, comenta Giovanna.

O grupo já leu nomes como Lima Barreto, com o clássico “Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1915); Maria Firmina dos Reis, com “Úrsula” (1859); Juan Rulfo, com “Pedro Páramo” (1955); José de Alencar, com “Senhora” (1875); Ernesto Sabato, com “O Túnel” (1948); Mario Vargas Llosa, com “Lituma nos Andes” (1993); Gabriel García Márquez, com “Memória de Minhas Putas Tristes” (2004); Jorge Amado, com “Mar Morto” (1936); e a venezuelana Teresa de la Parra, autora de “Memórias de Mamá Blanca” (1929).

Inclusive, as três se preocupam especialmente em incluir mulheres na curadoria das obras. “A gente ainda lê pouco os nossos autores latino-americanos, especialmente nossas autoras mulheres latino-americanas, porque elas existem e as nossas curadorias estão apontando isso", explica Maria Fernanda. "A gente se preocupa muito com isso, em não centralizar, porque hegemonicamente os clássicos estão vinculados à produção dos homens na literatura e a gente teve essa preocupação em trazer as mulheres que escreveram nessa época”, complementa.

Entretanto, elas pontuam que nem sempre é fácil fechar a curadoria. Muitas vezes, faltam traduções para o português, e nem todos os títulos têm edições acessíveis. Mesmo assim, elas fazem questão de buscar caminhos. “Essas mulheres existem, a gente tenta trazer elas para o clube, mas muitas vezes a gente fica nessa limitação da língua, de não ter tradução, de não ter edições, então é um desafio que a gente enfrenta”, reitera Maria Fernanda.

Com copo na mão e livro na outra, clube leva literatura a bares
Reunião do clube no Onça Bar para discutir a obra “O Túnel”, de Ernesto Sabato (Foto: Redes sociais).

Reuniões – As reuniões acontecem todo segundo sábado do mês, a partir das 17h30, em bares variados da cidade. O livro do mês e o local do próximo encontro são divulgados nas redes sociais e no grupo de WhatsApp do clube, onde também rolam indicações de podcasts, filmes e documentários relacionados à obra do momento.

No clube, não há obrigação de leitura prévia nem regras rígidas. O importante é aparecer, pedir uma cerveja e entrar na conversa. “É uma oportunidade de levar uma conversa literária para um lugar menos óbvio, menos formal e a conversa ser feita em um formato mais livre. Não há uma mediação nos encontros, a conversa flui como toda conversa de bar”, explica Giovanna.

Quem quiser participar pode acompanhar a programação pelo perfil no Instagram @clubedotimtim e solicitar a entrada no grupo de WhatsApp. A próxima discussão de leitura será da obra “Sab” (1841), da autora cubana Gertrudis Gomez de Avellaneda. O encontro será no dia 09 de agosto, às 17h30, no bar Quiçá (Rua Euclides da Cunha, 488), que abrirá mais cedo para receber o grupo.

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