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Comportamento

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025

Pedras e velas ‘contam’ que ali a prática tem a ver com a natureza, não com o terror

Por Natália Olliver | 03/10/2025 07:49
Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Kalebe Mazzine é bruxo e vê a prática como autoconhecimento e conexão com a natureza (Foto: Henrique Kawaminami)

Em um pedaço de azulejo simples, o bruxo Kalebe Mazzine desenha símbolos com giz. No altar, pedras aguardam o momento em que o cachimbo é aceso e a fumaça chega às imagens escolhidas com cuidado. Nas mãos, uma bacia com plantas e, no piso, três velas acesas. Quem observa o bruxo preparando o ritual fica “desapontado” ao ver que o macabro não existe ali. É nesse cenário que o artista visual e tatuador traduz o que, para ele, significa ser bruxo em 2025.

RESUMO

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Kalebe Mazzine, artista visual e tatuador, revela sua jornada como bruxo moderno, destacando que a prática está mais relacionada ao autoconhecimento e à conexão com a natureza do que ao sobrenatural. Para ele, a bruxaria é uma filosofia de vida que integra conhecimentos científicos, ancestrais e espirituais. O bruxo, que tem origem indígena e cigana, realiza rituais com elementos naturais e benzimentos em espaços públicos. Através do projeto 'Círculo Encantado', ele compartilha seus conhecimentos sobre bruxaria natural, desmistificando preconceitos e mostrando que a prática está mais ligada ao mundo natural do que ao sobrenatural.

Apesar do preconceito, segundo ele, a bruxaria não é receita de bolo, é um caldeirão onde cada um mistura seus próprios ingredientes espirituais. Um caminho que bebe da ciência, ancestralidade e autoconhecimento. É a possibilidade de viver em sintonia com o passado, “ter um ouvido na ciência e outro na floresta”.

Kalebe conta que demorou para se reconhecer como um, mas que a jornada de resgatar e entender a própria existência começou ainda na adolescência, na curiosidade em conhecer as culturas ancestrais.

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Bruxo faz mandala e coloca pedras e velas para fazer ritual de prosperidade e paz (Foto: Henrique Kawaminami)

“Aos 16 anos me afastei totalmente do cristianismo para iniciar um processo comigo mesmo. Percebi que as filosofias antigas me são para além dos dogmas. Entendi que tinham muitas culturas que viam o mundo de maneiras diferentes, muito mais leves e conectadas à natureza, muito mais saudáveis, no meu ponto de vista. Comecei a estudar a história de diversos povos e culturas e isso me fez questionar quem sou eu, quais são as minhas crenças e como meus ancestrais trabalharam essas questões”.

A família, com origem indígena e cigana, também contribuiu para a busca por respostas que ele não encontrava por aí. “Foi uma jornada espiritual de entender as questões de magia natural”. Ele explica que os povos indígenas, africanos e ciganos, por exemplo, estão o tempo todo falando sobre os ensinamentos que a natureza dá, e que isso está dentro da bruxaria.

“Comecei trabalhando o básico, que é a magia natural, aprender a integrar os quatro elementos (água, fogo, ar e terra) em você. Todos existem ao mesmo tempo junto a um 5º, chamado de essência, que é a consciência. Tudo isso faz parte de você. Tive esse processo que foi o resgate ancestral, cultural e que, para mim, é o principal da bruxaria, principalmente da moderna. Ela está falando o tempo inteiro de como você está lidando com o hoje, no espaço que você está inserido”.

Embora muita gente ainda tenha na imaginação a figura do bruxo como a pessoa que usa roupas pretas, faz poções malignas e adora o demônio, a realidade está bem distante disso. Inclusive, Kalebe explica que a bruxaria tem mais a ver com o aqui e agora, na terra, do que com o mundo dos espíritos.

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Bruxaria aconteceu para Kalebe devido a curiosidade de conhecer saberes ancestrais (Foto: Henrique Kawaminami)

“Você tem que aprender a escutar o mundo natural, não o sobrenatural. O mundo dos espíritos é tão real quanto o mundo humano, mas a nossa experiência é a humana, precisamos aprender a focar nisso, entender que somos sim seres espirituais, mas que a matéria é uma manifestação dessas camadas mais sutis de realidade, que é a força psíquica, elemental, dos átomos”.

Mas o que é ser bruxo de fato?

Kalebe explica que é um movimento filosófico, para além do espiritual, e que para alguém ser de fato um bruxo, a pessoa tem que estar muito envolvida com conhecimento, atenta às leis da natureza e à própria ciência. Antenada em psicologia, medicina, educação, questões sociais.

“Eu levo como uma filosofia de vida. Ela não é uma religião, mas pode ser. Para mim, a bruxaria é um processo de autoconhecimento e desenvolvimento ligado totalmente às leis da natureza, onde a gente aprende a respeitar a terra como um ser vivo”.

Quando o arquétipo do bruxo é colocado, a pessoa vira “o mago”, a representação do conhecimento, o alquimista, o químico e físico, o artista. “Quando a gente está falando de assumir esse papel, que está dentro do inconsciente coletivo, quando se coloca diante da vida assumindo esse papel, tem que ter esses conhecimentos para embasar a vida e consigo ter um caminho”.

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Bruxo fala que o Benzimento é ato de bem-dizer à vida (Foto: Henrique Kawaminami)

Kalebe também fala da influência da bruxaria brasileira e diz que se considera um bruxo macumbista porque precisa do contato com os terreiros de umbanda e candomblé.

“É onde os saberes e cultos ancestrais acontecem. Preciso ter a minha base e raízes consolidadas para ter esse intercâmbio cultural. Eu falo que um bruxo não se apega a uma religião, ele bebe de diversas fontes, pega os ingredientes, coloca no próprio ‘caldeirão’ e faz a sua prática espiritual. A bruxaria tem muito da autonomia: pode ir em terreiro aprender os fundamentos, no budismo, em caminhos xamânicos e, dentro da minha regra, fazer da melhor forma, do que acho que faz sentido”.

Bruxaria e Satanismo

Sobre o preconceito dos bruxos serem não só associados ao próprio demônio, como também ao satanismo, Kalebe pontua que as pessoas não entendem que as coisas não precisam andar juntas e que pessoas que cultuam Satanás costumam ser, nesses casos, descrentes de qualquer coisa, ou seja, ateus.

Para ele, um bruxo pode sim ser satanista, mas não é algo que ande lado a lado, ou seja, um bruxo não é satanista, mas não há nada que o impeça de ser. O principal é entender a filosofia de cada caminho.

Ele pontua que uma pessoa, quando se diz satanista, precisa compreender esse movimento político que nasce como contravenção ao governo cristão e moralista. Anos depois, isso ganha um cunho religioso a palavra passa a ser atribuída àqueles que cultuam o inimigo dos céus.

“Para uma pessoa ser bruxa não precisa necessariamente se colocar dentro de uma filosofia específica ou religião. A bruxaria pode ser entendida como prática mágica. Filosofia, religião, não é algo exclusivo. Ninguém é mais ou menos bruxo por isso. Existe preconceito justamente pela demonização de cultos ancestrais: colocam-se os cultos africanos, indígenas e ciganos como algo único e demoníaco. As pessoas não enxergam e têm medo de entender a profundidade daquele ritual para aquele povo”.

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Kalebe usa plantas e ervas para fazer benzimentos nos terreiros e casas de umbanda (Foto: Arquivo pessoal)

Para ele, existem pessoas que fazem um teatro com o assunto e que isso muitas vezes não é sequer um caminho espiritual.

“Existe de tudo para tudo. Dentro da bruxaria existe um ecossistema, seres que estão o tempo inteiro trabalhando em prol da beleza, amor e harmonia, e seres que estão trabalhando reciclando energias que já não são mais contribuição. Existem vários graus de consciência, papéis diferentes”, completa.

Benzimento

As pedras usadas por ele dependem das fases da lua e da intenção da pessoa para o próximo ciclo, assim como os itens selecionados. No meu caso, as flores se juntaram aos galhos de arruda, samambaia e manjericão para trazer boas energias e renovação.

“O quebra-demanda serve justamente para quebrar mal-olhado, energias negativas que possam ser mandadas por pensamento, por palavras, por olhares. O manjericão trabalha os nossos aspectos e harmonizações emocionais, trazendo paz, tranquilidade, equilibrando nossas emoções, nossa sexualidade, nossa criatividade. Traz também uma energia de acolhimento e amor”.

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Ritual precisa ter os quatro elementos naturais para fortalecer pedidos (Foto: Henrique Kawaminami)

Já a samambaia, também usada no ritual, atua como um fortificante espiritual e de proteção. “Flores rosas para trazer a energia da primavera, do amor, da doçura, do amor próprio. Coloco na água, que é a condutora das emoções, ela faz descarrego, faz limpeza, equilibra nosso campo emocional”.

Kalebe pontua que as pessoas que chegam estão muito interessadas em entender um caminho espiritual natural do que os mistérios ocultos.

“São pessoas que estão desacreditadas das religiões e querem entender o que elas praticam. A minha prática bebe de conhecimentos de terreiro, xamanismo, cigano. Eles chegam de diversas formas, mas estão sedentos de conhecimento. Saber como podem ter uma vida espiritual sem depender de pai de santo, padre, guru. A bruxaria entra nesse caminho que é um caminho individual e solitário”.

Para ele o benzimento é um ato mágico de bem-dizer à vida, abençoar. Ele não está ligado a apenas uma religião. Pelo contrário a origem do ato era pagão e depois foi colocado nas religiões.

"Hoje podemos falar que somos bruxos sem ser queimados na fogueira ou perseguido. existe o preconceito, mas existe a liberdade. O verbo se fez carne, então a vibração do som conduz os átomos. Os monges budistas falam para gente ter a sabedoria da palavra. A africana está falando de ter um bom pensamento, uma boa cabeça para saber o caminho bom. Os indígenas estão falando de saber se comunicar com a natureza, estar em harmonia com ela".

Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Longe do satanismo, Kalebe mostra o lado real de um bruxo em 2025
Santos, pedras e amuletos usados por bruxo são misturas de religiões e crenças ancestrais (Foto: Henrique Kawaminami)

Um dos pontos que fizeram a diferença para o benzedeiro foram as especializações que Kalebe fez ao longo dos anos e os estudos de erveiros.

“Fui em um encontro de benzimento uma vez em Florianópolis, inclusive lá tem o Dia Nacional de Benzimentos, reconhecido como patrimônio imaterial, em Florianópolis, a ilha das bruxas e benzedeiras”.

Kalebe tem um projeto chamado 'Circulo encantado' onde pratica o benzimento em áreas públicas e  terreiros e ensina sobre bruxaria. Neste mês o grupo fará uma oficina sobre bruxaria natural e confecção de vassouras com ervas.

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