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Comportamento

Mulheres pagam promessa a vida toda, pintam casas e bailam galopera

Milagres relatados pelas promeseras de Nossa Senhora de Caacupé envolvem até um despertar de coma

Por Aletheya Alves | 18/12/2024 06:10
Damazia é conhecida na cidade como "dona China". (Foto: Henrique Kawaminami)
Damazia é conhecida na cidade como "dona China". (Foto: Henrique Kawaminami)

Dona China e Louvê colecionam pequenos milagres há mais de 70 anos, enquanto Cirila conta que acordou de um coma graças à Nossa Senhora de Caacupé. As três são exemplos de uma tradição que não tem espaço para exceções: todas estão marcadas com promessas de uma vida inteira que moldam seu cotidiano. Como “promeseras” (nome que se mantém no espanhol), elas pintam suas casas de azul, bailam “galopera” até que o corpo as impeça e dividem seus dias com a santa paraguaia.

As mulheres moram em Porto Murtinho, cidade que faz fronteira com o Paraguai e que carrega consigo uma série de tradições mistas. Entre elas, talvez uma das mais fortes, está a existência de las promeseras. Essas são as devotas de Caacupé quem mantém os ritos feitos há gerações na cidade brasileira, trazidos do país vizinho.

Resumidamente, a tradição das devotas começou com uma paraguaia que se mudou para Porto Murtinho e pediu para que a santa desse saúde ao seu filho. Em troca, caso Nossa Senhora de Caacupé intercedesse por sua prece, iria festejar seu dia (8 de dezembro).

No fim das contas, além de celebrar a data, outras mulheres também se tornaram promeseras e incluíram ações típicas do Paraguai até que se instituísse a festa de Toro Candil (clique aqui para ler sobre a festa). Mas, voltando o foco para as mulheres, o pagamento das promessas inclui várias atividades.

Las Promeseras

Uma das mais antigas, Damazia Sanchez, a dona China, passou a maior parte dos seus 81 anos dedicando sua fé à Caacupé. Para começar a notar alguns pontos das promeseras basta olhar para a matriarca: unhas e espaços da casa pintados de azul, ambos seguindo a cor do manto da santa.

Durante o Festival de Toro Candil, parte da promessa é paga com a dança. (Foto: Henrique Kawaminami)
Durante o Festival de Toro Candil, parte da promessa é paga com a dança. (Foto: Henrique Kawaminami)
Para seguir as cores da santa, promeseras pintam as unhas de azul. (Foto: Henrique Kawaminami)
Para seguir as cores da santa, promeseras pintam as unhas de azul. (Foto: Henrique Kawaminami)

O azul também se espalha por outros objetos como as roupas que serão utilizadas na homenagem à Nossa Senhora e, aqui, Damazia explica melhor sobre os compromissos. A tradição é de que as promessas sejam pagas durante sete anos, mas a maioria das mulheres amplia o tempo e transformam os ritos em algo que só acabará quando morrerem.

Em muitos casos, nem quando partirem a tradição irá acabar, já que as filhas e os filhos costumam dar sequência ao cumprimento.

Enquanto várias companheiras de fé já não conseguem colocar em prática o “pacote” de atividades a serem feitas, Damazia é um retrato de décadas:

  • Além do azul presente, prepara o altar para a santa com vários enfeites e aloca as bandeiras brasileira e paraguaia no mesmo ambiente entre o fim de novembro e início de dezembro;

  • participa das competições para bailar a “galopera” ou “galopa”, como é chamada a dança paraguaia. Além de competir, as promeseras se apresentam em grupo no Festival de Toro Candil e, no dia de Nossa Senhora de Caacupé (8 de dezembro), dançam para a santa em frente às casas das devotas;

  • entre os dias 30 de novembro e 8 de dezembro, participa de rezas nas casas das promeseras;
  • no dia da santa, as mulheres que têm condições preparam lanches e almoços para receberem famílias, amigos e outras devotas que fazem o circuito.
No dia de Nossa Senhora de Caacupé, famílias saem às ruas. (Foto: Henrique Kawaminami)
No dia de Nossa Senhora de Caacupé, famílias saem às ruas. (Foto: Henrique Kawaminami)

De mãe para filha

Dirce Gomes Martinez, a dona Louvê, nasceu no Paraguai, mas cresceu em Porto Murtinho e foi naturalizada. Para ela, Nossa Senhora de Caacupé é uma companheira de vida que foi herdada de sua mãe.

Hoje, sua saúde não permite mais que ela dance, mas segue firme com as outras atividades para honrar a promessa. E a devoção é tão grande que até sua casa é dividida com a santa.

Louvê conta que conheceu Nossa Senhora de Caacupé ainda criança, quando sua irmã ganhou a imagem e, desde então, sua mãe começou a festejá-la. Desde então, já são mais de 60 anos seguindo a tradição.

Os ritos deixados pela mãe são a forma que Louvê continua executando o passo a passo da fé. Todos os anos, faz a novena em sua casa e recebe santas “visitantes”, como ela define.

Nos encontros, vizinhas vão até a casa da promesera e deixam suas imagens para integrar o altar que também tem uma organização própria. Diariamente, rezam um terço, cantam e Louvê faz preces em castelhano.

“Minha mãe falava que não queria que a gente rezasse em português porque é uma santa paraguaia, então eu rezo em castelhano. Mas também rezo em português sim”.

Devotas da santa pintam até as casas de azul. (Foto: Henrique Kawaminami)
Devotas da santa pintam até as casas de azul. (Foto: Henrique Kawaminami)
Louvê reúne santas "vizinhas" em seu altar. (Foto: Henrique Kawaminami)
Louvê reúne santas "vizinhas" em seu altar. (Foto: Henrique Kawaminami)
Parte dos castiçais são herança deixada pela mãe de Louvê. (Foto: Henrique Kawaminami)
Parte dos castiçais são herança deixada pela mãe de Louvê. (Foto: Henrique Kawaminami)

Localizado na sala da moradora, o altar é montado com ajuda do seu irmão e segue a estrutura aprendida na infância. Normalmente, os espaços dedicados a santos são parecidos com uma mesa ou estão em estantes.

Especificamente para o período de festas, o de Caacupé possui degraus e, neles, são inclusas as imagens, visitantes, velas e itens de decoração. Louvê adiciona luzes natalinas, flores e faixas, assim como as bandeiras do Brasil e do Paraguai.

“Esses castiçais eram os que minha mãe usava. [...] para construir essa casa, minha mãe pediu ajuda e ela atendeu”, diz Louvê. Consequentemente, a casa também é um pouco da santa e, por isso, não pode ser vendida aos olhos da devota. “Quando a gente morrer tudo, já fica para os netos”.

Cirila mantém a promessa feita pela mãe. (Foto: Henrique Kawaminami)
Cirila mantém a promessa feita pela mãe. (Foto: Henrique Kawaminami)
No dia da festa, fica completamente vestida de azul.(Foto: Henrique Kawaminami)
No dia da festa, fica completamente vestida de azul.(Foto: Henrique Kawaminami)

Bailando pela vida

Cirila Toledo, por sua vez, se dedica principalmente a galopa e explica que, no seu caso, a promessa já foi feita pensando na vida inteira.

“Eu fiquei doente por um ano e seis meses, fiquei em coma até que o doutor falou para esperarmos um mês e que se eu não reagisse, minha mãe ia perder a filha. De noite, ela pediu (para a santa) que se eu acordasse, ela ia me entregar”, descreve sobre a promessa feita pela mãe.

Na época, Cirila ainda estava na adolescência e, segundo ela, o pedido da mãe foi atendido rapidamente. Com o milagre conquistado, o dever de Cirila começou.

Por isso, todos os anos, a filha precisa se vestir de azul e dançar para Nossa Senhora de Caacupé. Relembrando as memórias com a mãe que já faleceu, ela se emociona ao lembrar de quando a viu após acordar.

“Eu amanheci acordada e ela disse ‘minha filha, agora você tem duas mães. E depois ela chorou”, explica.

Neste ano, Cirila foi uma das vencedoras no concurso de galopera e, como tem sido desde seu “renascimento”, não faltou à festa. Dançou durante todo o evento e reverenciou a santa mais uma vez, sua segunda mãe.

Confira a galeria de imagens:

  • (Foto: Henrique Kawaminami)
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