Pessoas com transtornos mentais podem ter abusos sofridos silenciados
Psicólogos de MS alertam para invisibilidade dos dados sobre a violência contra mulheres e outras minorias
Como é o atendimento de uma mulher vítima de violência sexual com diagnóstico transtornos mentais? O último Atlas da Violência, divulgado em 2024 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostrou que o Brasil registrou mais de três mil vítimas de abusos sexuais que eram pessoas com alguma deficiência, incluindo transtornos mentais.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
O Brasil registrou mais de 3 mil vítimas de abusos sexuais com alguma deficiência, incluindo transtornos mentais, segundo o Atlas da Violência 2024 do Ipea. Em hospitais de alta complexidade, é comum descobrir casos de estupro apenas quando são diagnosticadas ISTs ou gravidez nas vítimas. O psicólogo Thiago Ayala, do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian de Campo Grande, alerta que existe um preconceito velado que pode levar à relativização dos depoimentos de pessoas com doenças mentais. Segundo ele, agressores frequentemente se aproveitam das vulnerabilidades das vítimas, especialmente quando têm dificuldades de expressão ou credibilidade. Para enfrentar o problema, o Conselho Regional de Psicologia da 14ª Região criou um núcleo temático específico. A vice-presidente do CRP14/MS, Bárbara Rodrigues, destaca a invisibilidade dos dados sobre violência contra grupos vulneráveis e a necessidade de estratégias mais eficientes de proteção.
Para quem está nos atendimentos em hospitais de alta complexidade, já faz parte da rotina descobrir que a vítima foi estuprada só quando uma IST (Infecção Sexualmente Transmissível) é diagnosticada ou até mesmo gravidez. Quem compartilha esse alerta é o psicólogo Thiago Ayala, que faz parte da equipe multidisciplinar no Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian) de Campo Grande.
“Há, infelizmente, um preconceito sutil que pode levar profissionais ou a própria sociedade a relativizarem o depoimento de alguém com doença mental. Aqui, no hospital, trabalhamos para que isso não aconteça. O princípio é sempre o da escuta ativa, do respeito e da verificação de fatos de acordo com os protocolos de atendimento às vítimas de violência sexual. Essa mulher tem o mesmo direito de denunciar, de receber apoio psicológico e psiquiátrico, além do suporte clínico e jurídico, e nós procuramos fazer esse encaminhamento corretamente”, detalha o psicólogo.
Ela cita como exemplo as pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, onde é preciso que haja um acompanhamento despido de qualquer preconceito, para que nenhum dos protocolos de defesa daquela mulher sejam desrespeitados. Porém, também há casos de vítimas não verbais ou até que sentem dificuldade em expressar tudo que estão passando. O Atlas mostra que o pico de abusos sexuais é na faixa etária de 10 a 19 anos.
“Muitas vezes o abuso só é descoberto por outras pessoas quando surgem consequências, como infecções sexualmente transmissíveis ou até uma gravidez não planejada. Essas situações acabam tirando a vítima do seu ciclo de segredo, forçando uma revelação, que pode ser um ponto de virada para a descoberta do abuso por outras pessoas. Não é raro que esses comportamentos agressivos aconteçam de forma invisível até que algo físico ou visível aconteça”, completa.
Por fim, Thiago reforça que é comum os agressores se aproveitarem dessa fragilidade das vítimas. “Eles exploram todas as formas de fragilidade, seja emocional, financeira, social ou até física, para exercer o controle e manipulação. No caso de vítimas com doenças psiquiátricas, é verdade que elas podem ser ainda mais vulneráveis, não porque a sua condição seja algo que justifique o abuso, mas porque muitas vezes têm dificuldades em se expressar, ou de serem levadas a sério, o que pode criar um campo para o abusador agir com liberdade”.
Como uma estratégia de combater e prevenir os abusos sexuais de mulheres com transtornos mentais, o CRP14/MS (Conselho Regional de Psicologia da 14ª Região em Mato Grosso do Sul) criou um núcleo temático para desenvolver estratégias de orientação aos profissionais que atendem essas vítimas. Mesmo com os casos cada vez mais frequentes na rotina dos atendimentos, esse setor ainda não possui dados e números para estudos.
“Existe a invisibilidade dos dados sobre a violência contra mulheres indígenas, crianças e adolescentes e mulheres trans. Pouco se fala sobre essas populações, que muitas vezes são ignoradas pela sociedade, e muitas vezes as políticas públicas não oferecem atendimento eficiente e adequado. Precisamos começar a discutir estratégias para que principalmente nós profissionais de saúde possamos proteger e assegurar direitos a todas as pessoas que sofrem por algum tipo de violência”, defendeu Bárbara Rodrigues, vice-presidente do CRP14/MS.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.