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Jornalismo: o desafio da mudança

Por Carlos Alberto Di Franco (*) | 04/09/2025 13:30

O cenário atual do consumo de informação é motivo de séria preocupação. Exige reflexão, autocrítica e, sobretudo, coragem. Chegou, sem rodeios, a hora da mudança. O jornalismo atravessa uma encruzilhada decisiva. Ou reencontra sua alma ou mergulha na irrelevância.

Estamos atravessando um momento ímpar na história. A revolução tecnológica e a expansão da conectividade reduziram as fronteiras ao limite, ampliando o acesso à informação e ao conhecimento de uma maneira jamais vista.

Vivemos um tempo paradoxal. Nunca se produziu tanto conteúdo e, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil distinguir a informação confiável da narrativa enviesada. Em meio ao ruído ensurdecedor das redes e à avalanche de opiniões, muitas vezes superficiais, o jornalismo precisa urgentemente reencontrar sua missão original: servir à verdade, contribuir para o bem comum e respeitar a inteligência do leitor.

A sociedade está exausta do clima de militância que contaminou a agenda pública. Sobra opinião; falta informação. A notícia foi engolida pelo achismo. Os leitores estão perdidos em meio a afirmações categóricas, declarações de “especialistas” de ocasião e uma avalanche de colunismo militante. O denominador comum? Radicalização e politização. Uma distorção que fragiliza a credibilidade da imprensa, alimenta o ceticismo das novas gerações e abre espaço para teorias conspiratórias. A informação, que deveria ser um bem público, confiável e transparente, converteu-se – em muitos casos – numa trincheira ideológica.

As notícias que realmente importam, aquelas capazes de interferir nos rumos de uma nação, não nascem de boatos ou meias-verdades disseminadas com irresponsabilidade. São fruto de trabalho investigativo sério, conduzido com rigor técnico e compromisso ético. O jornalismo responsável é o antídoto contra a demagogia e a manipulação.

Mas jornalismo independente exige liberdade. Não temos donos. Nosso compromisso é com a verdade e com o leitor. No entanto, liberdade de imprensa não é licença para abusos. Supõe responsabilidade. E essa se traduz na escuta plural, na busca pela verdade factual e na análise honesta dos acontecimentos. Informação não é propaganda. Jornalismo não é panfleto.

A disrupção digital, a perda do controle da narrativa e a desintermediação da informação são fenômenos que, em boa parte, poderiam ter sido atenuados. Faltou sensibilidade. A imprensa se distanciou do seu público, demonstrou dificuldade em compreender as novas formas de consumo informativo e, muitas vezes, incorreu em ativismo disfarçado de reportagem.

Com frequência, passou a falar para si mesma, para suas bolhas cognitivas, esquecendo o cidadão comum – o leitor silencioso, mas atento. Esse leitor – homem ou mulher, jovem ou adulto – deseja ser informado com seriedade, não catequizado por ativismos ideológicos.

E os leitores, com razão, manifestam cansaço diante do tom sombrio de muitas coberturas. É possível denunciar mazelas sem sucumbir ao desânimo. Vejamos, por exemplo, o flagelo da corrupção. Combater a corrupção é dever inegociável. Mas é igualmente necessário apontar saídas. Por que não fazer disso uma bandeira clara e positiva da imprensa?

A corrupção, a violência, a mentira e a incompetência existem e devem ser denunciadas. Mas há também outro lado. Um lado de esperança. Há luzes no fim do túnel. Cabe ao jornalismo revelá-las. Chegou a hora de cultivar uma abordagem propositiva, que vá além da denúncia e aponte soluções. Um jornalismo que reconheça a dor da sociedade, mas que não se acomode no ressentimento. Que diga a verdade com serenidade. Que saiba discordar sem desfigurar o adversário.

É possível, sim, construir pautas que inspirem. Mostrar boas práticas na educação, na saúde, no empreendedorismo social, na recuperação de cidades, no combate ao desperdício. Há gente silenciosa fazendo o bem, e suas histórias podem reacender a esperança. Isso também é jornalismo.

A tecnologia mudou tudo. Mas os valores permanecem. Credibilidade, independência editorial, compromisso com o bem comum – esses pilares continuam válidos. Mais do que nunca, precisamos de um jornalismo com alma.

A mudança de rota não será fácil. Implica renúncia a certezas ideológicas, revisão de narrativas e disposição para a autocrítica. Mas é o único caminho para reconstruir a confiança. E a confiança é o capital simbólico mais precioso da imprensa.

Estamos diante de um ponto de inflexão. Para não sucumbir à irrelevância, o jornalismo precisa reencantar o leitor. Precisa recuperar sua vocação de ponte entre os fatos e a compreensão do mundo.

É tempo de mudança. Tempo de voltar ao essencial: a verdade dos fatos, a dignidade das palavras, a responsabilidade social da informação. O jornalismo não pode ser instrumento de ressentimento. Tem de ser, com coragem e humildade, um serviço à verdade e à liberdade.

O papel da informação no conturbado momento nacional mostra uma coisa: o jornalismo é mais necessário do que nunca. Exatamente por isso é que mudar é preciso. Ressignificar o jornalismo é urgente.

Chegou para o jornalismo a hora da mudança.

(*) Carlos Alberto Di Franco, jornalista, através do Estadão

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.