Nem assinatura falsa impediu desembargador de autorizar golpe de R$ 5,5 milhões
O caso parece inacreditável, principalmente por contar, como parte, com um produtor rural fictício
Nem assinatura falsificada e produtor rural que nunca existiu impediu que o desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, que atuava na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça e Mato Grosso do Sul, autorizasse o bloqueio indevido de R$ 5,5 milhões na conta bancária do engenheiro eletricista de Petrópolis (RJ), Salvador José Monteiro de Barros em maio de 2017.
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A Operação Ultima Ratio, da Polícia Federal, investiga um esquema de compra e venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que envolve um caso onde o desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso autorizou o bloqueio indevido de R$ 5,5 milhões na conta bancária de Salvador José Monteiro de Barros. A investigação aponta para a participação do juiz Paulo Afonso de Oliveira e da advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, que utilizaram um produtor rural fictício e documentos falsificados para mover uma ação de cobrança contra Salvador José. A PF acredita que os magistrados foram corrompidos para favorecer Emmanuelle, ignorando as evidências de falsificação e liberando os R$ 5 milhões sem qualquer investigação.
O caso é um dos que embasa investigação da Polícia Federal na Operação Ultima Ratio, que afastou cinco desembargadores e também o ex-desembargador, Júlio Cardoso, investigados por supostas compra e venda de sentenças. Nesse caso específico, o então juiz da 2ª Vara Cível, Paulo Afonso de Oliveira também é investigado.
O caso parece inacreditável, principalmente por contar com um produtor rural fictício que nunca compareceu a nenhuma audiência, sempre amparado pelas alegações de sua advogada, a também investigada, Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa do juiz aposentado compulsoriamente, Aldo Ferreira da Silva Júnior.
Em 2016, ela acionou a Justiça em ação de cobrança contra Salvador José, simulando que este havia comprado do produtor rural João Nascimento dos Santos, a Fazenda Campo Limpo, localizada no município de Tangará da Serra (MT). Documentos falsificados por José Geraldo Tadeu de Oliveira e, supostamente assinados por Salvador, foram usados para dar entrada no processo.
Contra eles, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul abriu denúncia em julho de 2018, depois que a Dedfaz (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Defraudações, Falsificações) registrou boletim de ocorrência feito pelo engenheiro petropolitano e comprovou as fraudes em investigação. O laudo que identificou a falsidade da assinatura está no inquérito da Polícia Civil. Por causa dessa denúncia, em julho de 2020, Emmanuele, José Geraldo e mais duas pessoas - Ronei de Oliveira Pécora e Delcinei de Souza Custódio - foram presos. O Campo Grande News noticiou este fato aqui.
Mas por que há suspeita que houve venda de sentença neste caso? Em maio de 2018, Julio Cardoso suspendeu o andamento da ação com base nos indícios de falsificação, após recurso da advogada de Salvador contra decisão de primeiro grau, que bloqueou os R$ 5,5 milhões. Emmanuele questionou a determinação do, então desembargador, e em 15 de junho, Cardoso reformou sua própria decisão.
Três dias depois, há pedido de “João Nascimento dos Santos” para liberação dos valores bloqueados, autorizado por Paulo Afonso, e defere o pedido e emite guia de levantamento. Em 20 de junho, Emmanuele avisa a gerente de sua agência bancária que abrirá uma conta em nome de seu suposto cliente.
“(...) o denunciado José Geraldo Tadeu de Oliveira, passando-se pelo fictício 'João Nascimento dos Santos', compareceu na agência bancária no dia seguinte, 21 de junho de 2018, logo às 10 horas da manhã, mesma data e horário em que Emmanuele estava sendo ouvida na Dedfaz (...) e informava ao Delegado que seu 'cliente' estava em viagem para o Estado do Pará e também com problemas de saúde, razão pela qual não o apresentou ao delegado que já investigava o sofisticado esquema de falsificação de documentos que deflagrou a ação de execução ajuizada por ela”.
Ultima Ratio - Conforme a investigação da PF, “diante dos elementos acima expostos, entendemos que tudo aponta que o Juiz Estadual Paulo Afonso De Oliveira (da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande-MS) e o Desembargador Julio Roberto Siqueira Cardoso (da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) foram corrompidos para favorecer indevidamente a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, esposa do Juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, na obtenção indevida de mais de R$ 5 milhões”.
Isso porque, para a Polícia Federal, Paulo Afonso “ignorou todas as alegações de que os títulos executivos que baseavam a ação eram falsos, rejeitando a impugnação apresentada na ação de execução (sob o fundamento de não ser cabível) e os embargos à execução (sob o fundamento de intempestividade), determinando o pagamento de mais de R$ 5 milhões sem qualquer diligência para averiguar a autenticidade de tais títulos”.
Por sua vez, Cardoso, “sem qualquer fundamentação concreta revogou sua própria decisão anterior que impedia o prosseguimento da execução e permitiu o seguimento, mesmo ciente das alegações de falsificação dos títulos executivos”. Vale ressaltar que foi só depois da investigação da Dedfaz que os magistrados reconheceram o erro de suas decisões.