Fechaduras e portões improvisados não contêm violência em unidades de saúde
Proposta é aumentar número de guardas municipais e melhorar monitoramento nos locais

Fechaduras eletrônicas compradas em “vaquinhas” e portões soldados para barrar estranhos no estacionamento são a barreira improvisada que servidores de saúde encontraram para se proteger. Do lado de fora, porém, o entra-e-sai sem controle nas portas das unidades de urgência e emergência de Campo Grande escancara a vulnerabilidade diante da onda de violência e furtos.
RESUMO
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Profissionais de saúde em Campo Grande enfrentam crescente onda de violência nas unidades de atendimento, com agressões partindo tanto de pacientes insatisfeitos quanto de dependentes químicos e pessoas com transtornos psiquiátricos. Sindicatos estimam que 80% dos casos não são registrados, devido ao medo de represálias e à burocracia para fazer denúncias. Para se proteger, funcionários improvisam medidas de segurança, como instalação de fechaduras eletrônicas pagas por meio de "vaquinhas". A prefeitura implementou um aplicativo de emergência e promete reforçar a rede de atenção à saúde mental com a construção de dois novos CAPS, enquanto sindicatos pedem mais guardas municipais nas unidades.
Na avaliação dos sindicatos que representam enfermeiros e técnicos, as ameaças vêm de dois lados distintos: de pacientes e acompanhantes revoltados com a falta de estrutura e de pessoas em surto, como dependentes químicos ou pacientes psiquiátricos. A preocupação é até onde essa escalada de violência pode chegar.
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Um dos lados é o dos próprios pacientes e seus acompanhantes, quando se tornam agressores. Com as emoções à flor da pele e insatisfeitos com a falta de gente, de materiais e de estrutura na rede pública para atendê-los, “eles partem para cima de quem veem primeiro”, relata o técnico de enfermagem da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Leblon e presidente do Sinte (Sindicato dos Trabalhadores Públicos em Enfermagem de Campo Grande), Angelo Macedo. O sucateamento dos serviços é um gatilho para a violência, aponta ele.

Técnicos de enfermagem e enfermeiros são geralmente os primeiros servidores com quem os pacientes terão contato na triagem e também viram portadores de más notícias quando precisam informar que não há macas vagas para medicação, por exemplo. Assim, viram alvos de xingamentos, chutes, socos, tentativas de estupro e até tijoladas, como já se registrou na Capital.
Mas a subnotificação invisibiliza a violência diária. Nem sempre os casos são denunciados à polícia. “Quando são 'apenas' ofendidos, acham que não vale a pena sair no meio do plantão e virar a noite esperando para registrar boletim de ocorrência na delegacia. O profissional de saúde não tem prioridade lá. Ele quer perder um dia de trabalho para fazer uma coisa que não dá em nada? Claro que não quer”, diz Angelo.
Em casos de ameaças e agressões físicas, a vítima também resiste a levar o caso à polícia por medo de represálias. É que os boletins de ocorrência devem conter obrigatoriamente o endereço do profissional de saúde. A subnotificação na categoria está na casa dos 80% no Estado, conforme estimativa que o Coren-MS (Conselho Regional de Enfermagem) apresentou este ano durante uma audiência pública.
“Estamos no limiar da desgraça, de acontecer uma tragédia”, alerta o sindicalista.
Pacientes alterados - O outro lado de onde vem a violência, inclusive com mais frequência nos últimos anos, é o dos dependentes químicos e dos pacientes psiquiátricos.
O presidente do Conselho Municipal de Saúde da Capital, Jader Vasconcelos, acredita que isso resulta de um aumento da demanda que os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), o ambulatório municipal de saúde mental, que foi fechado, e outras unidades especializadas não estão conseguindo atender.
"A pandemia trouxe um crescimento e tem outros fatores envolvidos. Em contrapartida, eu não vejo a estrutura da rede de saúde mental no município sendo ampliada. Pelo contrário, a gente vê que o ambulatório de saúde mental, por exemplo, foi fechado", comenta o conselheiro.
Jader frisa que não é correto barrar a entrada de pessoas sob suspeita de terem algum transtorno psiquiátrico, estarem sob efeito de álcool e drogas ou estarem em situação de rua, até porque as unidades estão habilitadas a prestar atendimento a todos. O que precisa haver, na opinião do presidente do conselho, é um aumento da segurança para evitar ou conter casos de surto e de violência que eventualmente acontecerem.
Médicos - Esses profissionais não são poupados, destaca o médico e presidente do Sinmed (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul). Em junho deste ano, por exemplo, a entidade foi até a UPA Moreninhas prestar apoio a uma médica que saiu para registrar um boletim de ocorrência por ter levado um soco no rosto e escutado ofensas, além da ameaça: "vou quebrar o computador na sua cabeça".
Além de amedrontados, médicos e outras categorias da saúde têm de lidar com o próprio adoecimento mental. "O que vemos hoje é um número expressivo de profissionais sofrendo de transtornos como ansiedade, depressão e síndrome de burnout e, em casos extremos, levando ao suicídio. Um lugar destinado a tratar da saúde da população se torna um ambiente de adoecimento para profissionais de saúde. É um contrassenso totalmente inaceitável. Como isso vai dar certo?", questionou Marcelo.
Silveira entende a onda de violência como um desvio do foco verdadeiro do problema. "Existe um modo de operação de alguns vereadores, por exemplo, que tentam jogar a culpa da gestão no servidor da saúde. A gente não admite isso, temos que cuidar dos nossos profissionais", finalizou em discurso feito ontem (24) durante o lançamento da frente parlamentar em defesa da causa.
Proposta para a segurança - A planta arcaica das UPAs e dos CRSs (Centros Regionais de Saúde) de Campo Grande é o primeiro ponto que atrapalha o esquema de segurança nesses locais, na opinião do presidente do sindicato da Guarda Civil Metropolitana, Hudson Bonfim. Ele defende que não deveria haver tantas entradas nem portões de acesso nas laterais e nos fundos, até porque há só um guarda municipal para supervisioná-los em cada prédio atualmente.
Ainda este ano, a entidade apresentou à prefeitura a proposta de ampliar o efetivo para dois guardas por local, com o pagamento dos plantões por meio de recursos de emendas parlamentares, entendendo que o Município decretou medidas de corte de gastos e não poderá assumir o gasto extra. Ainda não houve resposta ao requerimento, segundo Bonfim.
Ele afirma que fazer um controle de entrada nas unidades é inviável, dado o enorme fluxo de pessoas. Mas defende outras soluções, como criar uma sala com monitores para um guarda municipal acompanhar em tempo real as movimentações pelas câmeras de segurança e agir a tempo de evitar situações graves.
Aplicativo, rondas e CAPS - A reportagem tentou falar sobre a situação com o secretário municipal de Segurança, Anderson Gonzaga, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
A prefeitura se manifestou por meio de nota, destacando que criou o aplicativo Proteja+Saúde, que funciona como um botão de emergência para acionar a guarda municipal.
Sobre o efetivo da segurança, informou que "as unidades de pronto atendimento de maior vulnerabilidade contam com vigilância permanente, além do reforço de viaturas com rondas e pontos-base nos horários críticos".
O Município também divulgou que está reforçando a rede de atenção à saúde mental com a criação de dois CAPS, sendo um no bairro Guanandi e outro no Jardim Paradiso. A licitação para a construção do primeiro já foi lançada e está em andamento.
Sobre o fechamento do ambulatório de saúde mental, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) justificou anteriormente que é uma medida necessária à reestruturação da rede e que o processo está em andamento.
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