Violência nas escolas cresce e já responde por até metade dos casos de delegacia
Delegacia relata crescimento de conflitos graves, com agressões, ameaças e uso de armas entre estudantes
As denúncias de violência nas escolas de Campo Grande se tornaram rotina na DEAJI (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude). Segundo a delegada Daniela Kades, entre 40% e 50% das mais de 1.120 ocorrências atendidas em 2025 tiveram origem no ambiente escolar, um volume que ela classifica como “demais”.
RESUMO
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A violência nas escolas de Campo Grande tem se intensificado, representando entre 40% e 50% das ocorrências atendidas pela DEAJI (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude) em 2025. Os casos variam de brigas por motivos banais a episódios graves, como ameaças, lesões corporais e até tentativas de homicídio. A delegada Daniela Kades destaca o aumento da participação de meninas em conflitos violentos, muitas vezes relacionados a questões de relacionamentos. As escolas e a Copase (Coordenadoria de Psicologia e Serviço Social Educacional) têm reforçado práticas restaurativas e ações preventivas para lidar com a violência. A Justiça Restaurativa, presente em 13 escolas, tem sido usada para mediar conflitos e promover a cultura de paz. Apesar dos esforços, a violência escolar reflete problemas sociais mais amplos, exigindo uma abordagem contínua e integrada para garantir a segurança e o bem-estar dos estudantes.
Os registros vão de brigas motivadas por provocações banais, como um “pisão no pé” ou apelidos ofensivos, até episódios graves envolvendo facas, tesouras, ameaças e lesões corporais.
“Às vezes preciso ouvir uma sala de aula inteira porque chamaram a menina por um apelido da moda. Hoje tem os tais ‘Brain Hot’, ‘Prin Patapim’, ‘Balerina Capuchina’. Chamam de cabeçuda e já dizem que é a bailarina Capuchina”, relata Daniela.
Mesmo quando o conflito parece “brincadeira”, a delegada reforça que todo procedimento envolvendo adolescentes é incondicional. “Se teve um pisão no pé, vai ter procedimento. Juntam-se atas escolares, escuta-se todo mundo e encaminha-se para a promotoria.” A partir disso, o Ministério Público define se o caso vira denúncia, justiça restaurativa ou outro encaminhamento.
Escalada - Daniela explica que muitos pais procuram a delegacia acreditando que se trata de bullying, mas o termo só se aplica quando há repetição. Um único episódio é injúria e, quando ocorre nas redes, vira injúria qualificada. “Uma publicação isolada não é necessariamente cyberbullying”, reforça.
As ocorrências mais comuns são injúria, ameaça e lesão corporal, mas há registros de injúria racial e divulgação de nudes. “Tem bastante divulgação de nudes. E aquilo que parece bobo vai gerando outras coisas, que às vezes chegam numa tentativa de homicídio”, alerta.
Protagonismo - Um dado que chama a atenção da DEAJI é o aumento da participação de meninas nos episódios graves.
“As duas tentativas de homicídio que tivemos este ano em escolas foram cometidas por meninas. Os últimos portes de arma branca, tudo menina. Brigas feias na frente de escola, menina”, descreve Daniela. Segundo a delegada, enquanto meninos brigam por diferentes motivos, os conflitos entre meninas, em geral, envolvem relacionamentos. “A maioria das brigas delas é por causa de meninos.”
Cresce a procura - Grande parte dos boletins é registrada por iniciativa dos pais, mesmo quando os adolescentes não desejam seguir com a denúncia. "Há muitos casos em que eles já se acertaram, mas quem faz questão do boletim é o pai ou a mãe", relata.
As escolas também encaminham casos considerados graves e, quando chegam à delegacia, o procedimento é instaurado na hora. “Todo ato infracional envolvendo adolescentes é interesse do Estado. O Estado quer saber por que esse jovem está violento.” Não há concentração de casos por região. “É bem eclético. Temos atendimento diário de escolas e denúncias”, afirma Daniela. Para a delegada, só o fato de o adolescente comparecer à delegacia já gera impacto. “Só de saber que veio numa delegacia e que pode ter que ir para o Judiciário já é um choque.”
Casos graves - Entre os episódios mais graves estão duas tentativas de homicídio envolvendo faca. Em 2 de setembro, na Escola Estadual Maria de Lourdes Toledo Areias, no bairro Recanto dos Rouxinóis, uma adolescente de 15 anos levou uma faca para a escola e correu atrás de uma colega. A discussão teria começado na sala de aula e continuou em um grupo de WhatsApp. Professores tentaram intervir enquanto estudantes gravavam a perseguição próximo ao portão. Ninguém ficou ferido, mas a vítima deixou a escola chorando.
Outra situação ocorreu na noite de 25 de junho, próximo à Escola Estadual Ulisses Serra, em Indubrasil. Uma estudante de 15 anos foi esfaqueada por outra adolescente de 16 enquanto esperava o ônibus após a aula. Ela sofreu cortes na cabeça e na mão e foi internada na Santa Casa de Campo Grande. A autora havia sido transferida recentemente de outra escola por motivos semelhantes. O caso foi registrado como tentativa de homicídio.
Tanto a Delegacia quanto a Secretaria de Estado de Educação não trabalham com dados quantitativos da violência, mas atuam avaliando os casos de forma qualitativa.

Trabalho contínuo - Com cerca de 200 mil estudantes em 240 escolas, a rede estadual intensificou as formações e o apoio a municípios interessados em práticas restaurativas, como Dourados, Corumbá, Ladário, Aquidauana e Chapadão do Sul.
A Copase (Coordenadoria de Psicologia e Serviço Social Educacional) reforçou o suporte às unidades e, segundo a coordenadora Paola Evangelista, o trabalho envolve prevenção, mediação, manejo de conflitos e acolhimento.
“Nosso trabalho é apoiar as escolas na construção de estratégias que previnam e intervenham de forma mais eficaz, antes que situações cheguem a esse nível de gravidade”, afirma.
Paola destaca que fortalecer vínculos, escuta e pertencimento é essencial para evitar que conflitos evoluam para violência extrema. “A delegada pode nunca mais ver aquele adolescente. Mas a escola vai continuar vendo todos os dias.”
A Copase orienta escolas em situações que “fogem ao pedagógico”, atuando em ações para convivência escolar, prevenção de violência, violação de direitos e demandas sociais. O SEAP (Serviço Especializado de Apoio ao Processo Educativo), composto por equipe itinerante de psicólogos e assistentes sociais, atua conforme a Lei 13.935 e foca no acolhimento de estudantes, acompanha conflitos e orienta encaminhamentos.
Justiça restaurativa escolar - Atualmente, 13 escolas estaduais da Capital contam com unidades de Justiça Restaurativa, com servidores cedidos pelo Tribunal de Justiça. O método é acionado em casos graves, como bullying, racismo, agressão física, e envolve escuta separada de vítima e agressor, além da construção de acordos e propostas de reparação.
Entre fevereiro e novembro deste ano, segundo a coordenadora Paola Evangelista, foram realizados 288 círculos de construção de paz nas escolas e 25 círculos restaurativos, com um total de 5.300 atendimentos, número superior aos 3.704 registrados em todo 2024.
“Muitos conflitos graves, ameaças, racismo e agressões já passaram pela metodologia restaurativa. É um processo educativo, não punitivo”, explica Paola.
Atualmente, 13 escolas dispõem de unidades da Justiça Restaurativa, mas Paola ressalta que todas as unidades da cidade podem ter acesso ao trabalho itinerante. As sedes ficam na Hércules Maymone, Clarinda Mendes de Aquino, Elia França Cardoso, Luísa Vidal Borges Daniel, Maria Constança Barros Machado, José Ferreira Barbosa, Pe. Franco Delpiano, José Mamede de Aquino, Elvira Mathias de Oliveira, Manoel Bonifácio, Teotônio Vilela, Ulisses Serra e Dolor Ferreira de Andrade.
Ação preventiva - Paola reforça que os comportamentos dos adolescentes mudaram no pós-pandemia. Brigas que começam em grupos de WhatsApp, desafios perigosos e ataques virtuais hoje ultrapassam as telas. “A escola não é uma ilha. Ela reflete o que acontece fora.”
Para ela, a prioridade é sempre preventiva. “Eu não trato saúde mental só em setembro. Não trato bullying só quando acontece. Os processos formativos dos professores e os projetos precisam olhar para a prevenção.”
A coordenadora destaca que a cultura de paz envolve toda a comunidade escolar (estudantes, professores, gestores e famílias) e que políticas contínuas, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) Digital e o Programa Amparo, criado em 2024, são fundamentais.
Conforme Paola, a maioria dos casos gira em torno de questões de relacionamento e convivência e, por isso, os temas mais comuns nas rodas de conversa são respeito às diferenças, emoções, bullying, resolução de conflitos e controle da raiva.
“Nosso trabalho é apostar no desenvolvimento humano. O jovem ainda está em formação. Ele precisa de orientação, não de abandono”, conclui Paola.
Exemplo - A coordenadora pedagógica Vanessa da Silva Rubinho relata que a adoção das premissas da justiça restaurativa transformou o ambiente na Escola Estadual Professora Elia França Cardoso, no bairro São Conrado. Segundo ela, muitos estudantes chegavam à unidade com uma cultura marcada por linguagem agressiva, xingamentos constantes e pouca capacidade de diálogo. Antes do trabalho, casos de bullying eram rotina na coordenação. Em dois anos, porém, a mudança foi visível, com a queda nos encaminhamentos por desrespeito, enquanto valores como empatia, acolhimento e escuta ativa passaram a fazer parte do cotidiano escolar. Estudantes que antes riam de situações humilhantes agora intervêm e buscam a coordenação para relatar episódios de violência.
Vanessa conta que os círculos restaurativos envolveram até o grêmio estudantil e ajudaram a transformar conflitos em amizade, como no caso de um aluno do 8º ano que costumava ser agressivo e praticar bullying. Após os ciclos, o menino mudou totalmente de comportamento e virou destaque na escola. O vínculo com a coordenação fortaleceu o pertencimento, trouxe relatos importantes e consolidou um ambiente orientador e acolhedor, hoje reconhecido pelas famílias como um espaço harmonioso e difícil de deixar.
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