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Reportagens Especiais

Tratado de Espanha e Portugal começou a mudar o sul de Mato Grosso há 275 anos

Tratado de Madri começou a consolidar as bases do território que mais tarde se tornaria Mato Grosso do Sul

Por Lucas Mamédio | 11/10/2025 07:26
Tratado de Espanha e Portugal começou a mudar o sul de Mato Grosso há 275 anos
Mapa do Arquivo hHistórico Nacional mostra o desenho da fronteira em 1750

A ancestralidade indígena é incontestável, mas a formação do atual Mato Grosso do Sul, um jovem adulto de 48 anos, também tem em seu DNA um acordo diplomático firmado há 275 anos, do outro lado do Atlântico. Em 1750, Espanha e Portugal assinaram o Tratado de Madri, um pacto que redefiniu o mapa da América do Sul, substituindo o ultrapassado Tratado de Tordesilhas, de 1494, e dando origem à fronteira oeste do Brasil.

RESUMO

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O Tratado de Madri, assinado em 1750 entre Espanha e Portugal, foi fundamental para a formação do atual Mato Grosso do Sul. O acordo substituiu o Tratado de Tordesilhas e estabeleceu o princípio do uti possidetis, reconhecendo o domínio sobre terras já ocupadas, beneficiando os portugueses. A implementação do tratado resultou na construção de fortes militares, como o Forte de Coimbra e o Forte de Miranda, que originaram cidades como Corumbá e Miranda. Contudo, o acordo também provocou conflitos, como a Guerra Guaranítica, que resultou na expulsão dos jesuítas e indígenas da região, abrindo espaço para a colonização portuguesa.

O historiador Tomaz Espósito Neto, da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), resume a importância do acordo: o Tratado de Madri foi a “certidão de nascimento da fronteira oeste brasileira”. Foi ele que deu legitimidade à presença portuguesa e abriu caminho para o surgimento de cidades, fazendas e de uma nova organização territorial, base do que viria a ser Mato Grosso do Sul.

O princípio central do acordo era o uti possidetis, expressão em latim que significa “quem possui de fato, possui de direito”. Na prática, isso reconhecia como legítimo o domínio sobre as terras já efetivamente ocupadas, o que beneficiou amplamente os portugueses. Assim, Portugal consolidou sua soberania sobre vastas áreas do interior do continente, incluindo o território que hoje corresponde a Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

De terra sem dono à fronteira definida

Antes de meados do século XVIII, a região era uma terra de fronteiras indefinidas. Povos indígenas e missões jesuíticas espanholas conviviam com bandeirantes e sertanistas paulistas em busca de riquezas. O Tratado de Madri veio impor nova ordem a esse cenário.

Portugal abriu mão da Colônia do Sacramento, no atual Uruguai, mas em troca garantiu o domínio sobre áreas estratégicas como o Pantanal, o Rio Paraguai e as terras do sul do atual Mato Grosso do Sul. Essa troca confirmou juridicamente a presença portuguesa em territórios onde ela já vinha se expandindo.

Com o novo respaldo diplomático, a Coroa portuguesa investiu na ocupação da região. Entre 1750 e 1770, foram erguidos fortes militares, como o Forte Coimbra e o Forte de Miranda, que se tornaram símbolos do poder luso e embriões de cidades que surgiriam séculos depois, como Corumbá, Ladário e Miranda.

Tratado de Espanha e Portugal começou a mudar o sul de Mato Grosso há 275 anos
Gravura publicada no jornal paraguaio El Cabichuí, durante a guerra, mostra canhões disparando em direção ao forte e a retirada brasileira. (Reprodução)

Conflitos e resistência

Se o tratado representou um avanço para Portugal, também provocou tragédias. O acordo previa que as terras onde viviam os Guarani, sob tutela dos jesuítas espanhóis, passariam ao domínio português. Os indígenas, porém, resistiram à mudança, pois não reconheciam a autoridade dos reinos europeus e se recusaram a deixar suas aldeias.

O impasse resultou na Guerra Guaranítica, travada entre 1753 e 1756, um conflito sangrento que destruiu reduções jesuíticas e marcou a expulsão dos jesuítas da região. Nas áreas que hoje correspondem a Amambai, Dourados, Sete Quedas e Ponta Porã, as antigas missões espanholas foram abandonadas, abrindo espaço para fazendas e novos núcleos coloniais portugueses.

Tratado de Espanha e Portugal começou a mudar o sul de Mato Grosso há 275 anos
Foto do livro “Memórias de Um Pantanal: Histórias de homens e mulheres que desvendaram a região do Rio Negro”,

O Pantanal e a fronteira natural

Outro legado direto do tratado foi a incorporação do Pantanal ao território português. O controle sobre os rios Paraguai e Miranda era essencial para o transporte de riquezas e a defesa contra incursões vindas do Paraguai e da Bolívia. Para garantir a soberania, o governo enviou militares, colonos e sertanistas a ocupar as margens dos rios, fundando cidades e postos de defesa.

Os mapas elaborados após 1750 mostram como as fronteiras começaram a se firmar ao longo dos rios, linhas que em grande parte ainda correspondem aos limites atuais entre Brasil, Paraguai e Bolívia.

Mesmo depois de ser anulado por outros acordos, como o Tratado de El Pardo, de 1761, e o Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, o Tratado de Madri deixou uma marca duradoura. O princípio do uti possidetis seguiu orientando todos os tratados posteriores, inclusive o Tratado de Badajoz, de 1801, que consolidou a soberania portuguesa sobre áreas já ocupadas.