“Fritar na bala” e “matar X9”: Justiça mostra como milícia do jogo atuava
Juiz afirma que organização era máfia armada e rejeita versão de ironia nos diálogos interceptados

A decisão judicial que analisou as acusações derivadas da Operação Successione destaca que a milícia que tem como um dos líderes o deputado estadual Roberto Razuk Filho(PL), o “Neno”, herdeiro de nome conhecido na fronteira, Roberto Razuk, não só era violenta e se valia de armas de fogo para cometer crimes “menos graves”, como planejava assassinatos.
RESUMO
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A Operação Successione revelou que a milícia liderada pelo deputado estadual Roberto Razuk Filho não apenas cometia crimes considerados menos graves, mas também planejava assassinatos. Segundo decisão do juiz José Henrique Kaster Franco, da 4ª Vara Criminal de Campo Grande, o grupo atuava como uma máfia, mantendo estrutura armada permanente. A organização oferecia recompensas de até R$ 100 mil pela morte de rivais e mantinha uma "lista de quem vai pular", referindo-se a alvos de execução. O grupo utilizava policiais reformados e pistoleiros da fronteira para criar atmosfera de terror, visando dominar o jogo do bicho na capital. A estrutura incluía setores de logística, tecnologia e infiltração institucional.
Ao sentenciar Razuk Filho e outras 11 pessoas, o juiz José Henrique Kaster Franco, da 4ª Vara Criminal de Campo Grande, afastou ironias feitas pelas defesas sobre os jargões usados por integrantes das organizações criminosas nos diálogos interceptados pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado). Para os magistrados, tratam-se de planejamentos concretos de homicídios por bando que contava com estrutura armada permanente e atuava como uma máfia.
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“Durante as buscas na residência do réu Gilberto Luis dos Santos, foi encontrada uma agenda contendo anotações manuscritas: ‘Lista de quem vai pular’, seguida de nomes como ‘Betinho’, ‘Joel’ e ‘Déa’. O policial (...) explicou em juízo que, no jargão de organizações criminosas, o termo ‘pular’ é sinônimo de execução/assassinato”, destaca o juiz em trecho da decisão, completando: “Não se cuida, evidentemente, de uma lista de quem iria ‘pular carnaval’, como afirmou em juízo Wanderson Luiz Ferreira dos Santos, não sem alguma desfaçatez”.
Além disso, mensagens extraídas de celulares mostram que o grupo “colocou preço” pela “cabeça” de líder de grupo rival: Henrique Abraão Gonçalves da Silva, conhecido como “Macaulin” ou “Rico”, o homem de Marcos William Herbas Camacho, o “Marcola”, em Mato Grosso do Sul, e que comandava o MTS, braço do jogo do bicho vinculado ao PCC (Primeiro Comando da Capital).
O valor da recompensa variava entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, conforme diálogos nos quais os integrantes discutiam quem executaria o alvo e como ele seria atraído para uma emboscada.
A sentença destaca ainda discussões sobre a necessidade de identificar e matar o “X9”, termo usado para designar o delator da organização.
As conversas de WhatsApp entre os réus revelam uma mentalidade de guerra, na qual a violência é meio de expansão”, ressalta José Henrique Kaster.
O magistrado entende, com base na denúncia, que a intenção da milícia era criar “atmosfera de terror” em Campo Grande para então tomar pontos de venda do jogo do bicho e dominar o comércio da loteria ilegal na Capital. “Wilson Souza Goulart e Manoel José Ribeiro discutem que estão ‘trepados’ (armados) e pontos para o confronto: ‘mas fica em QAP aí que nós dois estamos trepado, né! Viatura pegar nós, fodeu’.
Em suma, o grupo utilizava a condição de agentes da segurança pública (policiais reformados), a contratação de pistoleiros da fronteira, dentre outros expedientes, para criar uma atmosfera de terror, na qual a recusa em colaborar resultava em assalto, invasão de domicílio ou risco de morte”, pontou o juiz na sentença.

Braço armado na fronteira – Outro ponto trazido da decisão é o reconhecimento de que a organização não utilizava armas “de vez em quando”, mas mantinha braço armado profissional e permanente, empregado para intimidação, tomada de território e execução de ordens. “A organização não se valia de armas esporadicamente. A organização contava com um braço armado em tempo integral”, afirma o juiz.
A sentença menciona o envolvimento de policiais militares da reserva, que circulavam armados no chamado “QG” do grupo, além da atuação de Taygor Ivan Moretto Pelissari, acadêmico de Medicina no Paraguai que é apontado como “sicário” do grupo na fronteira. Ele aparece em mensagens discutindo o uso de fuzis (“fura”) e outras armas longas, como calibre 12, além de valores da compra de armamento.
Em uma das conversas, Taygor fala explicitamente em “fritar na bala” desafetos e em “pegar” rivais. “Há evidências de disponibilidade de acesso a outros armamentos de grosso calibre por intermédio de um integrante com perfil de executor profissional.
O réu Taygor Ivan Moretto Pelissari, apontado pelo Ministério Público como ‘sicário’ (matador de aluguel vindo da fronteira), foi preso em Ponta Porã dois dias após a operação na Rua Gramado portando uma pistola Glock G17.
Nas mensagens interceptadas, ele discute o uso de fuzis (‘fura’) e a execução de desafetos. Taygor afirma que eles deveriam ‘pegar’ o rival (em referência a matar), ou que iriam ‘fritar ele na bala’”, diz mais um trecho da condenação.

Estrutura de máfia – Henrique Kaster lembra que a denúncia trouxe testemunhas relatando que eram coagidas a “mudar de lado” na exploração do jogo do bicho na Capital, sob ameaça direta de invasão de domicílio ou morte. Já rivais eram intimidados com exibição de armas e promessas explícitas de execução.
O juiz faz um paralelo direto entre o grupo investigado e organizações mafiosas clássicas, citando expressamente a Convenção de Palermo, da ONU (Organização das Nações Unidas), e artigos do Código Penal italiano, que tratam da associação criminosa e da associação de tipo mafioso.
Na decisão, o magistrado afirma que não se trata de um agrupamento ocasional, mas de um: “pactum sceleris firme, perene e amplo”, expressão em latim que significa “pacto do crime”.
Segundo a sentença, a organização operava como empresa, com divisão clara de tarefas, setores de logística, tecnologia, contabilidade, segurança armada e infiltração institucional, inclusive com uso de cargos públicos e acesso a sistemas restritos do Estado.
A exploração do jogo do bicho, aponta o juiz, exigia estrutura contínua, controle territorial e uso da força para afastar concorrentes, exatamente como ocorre em modelos mafiosos consolidados.
A decisão, por fim, deixa claro que a investigação não mirou quadrilha voltada ao cometimento de crimes contra o patrimônio ou de episódios isolados de violência armada.
O que se descreve nos autos é uma organização estruturada, armada e voltada ao planejamento de execuções, com atuação permanente e métodos típicos do crime organizado transnacional. “Trata-se de uma organização formada para praticar crimes diversos, muitos deles graves, por período indeterminado, estruturada, complexa e armada”, afirma trecho da decisão judicial.
Desde a primeira fase da Operação Successione, deflagrada em 5 de dezembro de 2023, o deputado Neno Razuk é o principal alvo do Gaeco. Na sentença, de terça-feira (15), ele foi condenado a 15 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado e 5 meses de detenção, em regime aberto, pelos crimes de organização criminosa, roubo majorado e exploração do jogo do bicho, mas poderá recorrer em liberdade.
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