Entre as “dores do mundo”, Igreja Católica vê crescer presença de adolescentes
“Essa geração tem maior abertura para aquilo que é de Deus”, diz o padre Linniker Magalhães
RESUMO
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A Igreja Católica registra crescimento significativo entre adolescentes, evidenciado pela 7ª Jornada Diocesana da Juventude, que reuniu 13 mil pessoas em Campo Grande. O fenômeno, denominado "adolescentização" pelo padre Linniker Magalhães, atrai principalmente jovens entre 14 e 17 anos. Em meio a desafios como ansiedade e pressões sociais, a igreja oferece acolhimento através de acampamentos, retiros e atividades cotidianas. A renovação inclui santos contemporâneos, como Carlo Acutis, que usava jeans e jogava videogame, aproximando-se da realidade juvenil. Em Mato Grosso do Sul, o catolicismo mantém-se como principal religião, representando 51,8% da população.
Com público recorde, a 7ª edição da Jornada Diocesana da Juventude foi um termômetro da adesão dos mais jovens à Igreja Católica, num processo de renovação da milenar instituição. O evento, realizado no último domingo de setembro, reuniu 13 mil pessoas, “rebanho” enviado por 56 paróquias da Capital
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Responsável há oito anos pela evangelização da juventude em Mato Grosso do Sul, o padre Linniker Matheus Magalhães vê uma “adolescentização” da igreja, um neologismo capaz de retratar a chegada dos fiéis entre 14 e 17 anos. Contra as “dores do mundo”, numa faixa etária pressionada por ansiedade, cobranças sobre futuro e hipersexualidade, a religião surge como espaço de acolhida.
“Essa geração, sobretudo os adolescentes, tem maior abertura para aquilo que é de Deus. Na verdade, eles têm uma sede. Temos visto uma adolescentização da igreja. A proposta do evangelho os ajuda na maturidade afetiva, na maturidade espiritual. Uma proposta de vida”, afirma o padre, em entrevista na Paróquia Santo Afonso, no bairro Serradinho.

Nesta jornada, os mais novos se envolvem com a rotina da igreja. Ou seja, não é apenas ir um domingo, mas participar do cotidiano da paróquia, seja alimentando as redes sociais, preparando as leituras da celebração ou discutindo os eventos.
Algo que não chega a ser novidade é o retiro. Mas apesar de já acontecer há 60 anos no catolicismo, essa saída temporária faz sucesso por estreitar os laços com a família, em geral soterrados pela correria do dia a dia.
“Nos últimos 10, 15 anos, os acampamentos apareceram como uma resposta. É na linguagem dos jovens, com uma dinâmica própria. A beleza desses retiros é que o jovem é retirado, sai da casa dele. E depois, enquanto estão lá, tem toda uma equipe em contato com a família. Os pais escrevem cartinhas. Às vezes, o filho nunca ouviu um 'eu te amo' do pai. Mas o pai tem coragem de escrever. Na volta, eles se abraçam, choram”, relata o padre.
O fluxo de novos fiéis também é fruto da liderança de papas como João Paulo II, criador da Jornada Mundial da Juventude em 1985, e Francisco, que realizou o Sínodo dos Jovens, ouvindo suas aspirações. Nessa renovação, já há santo de calça jeans, tênis e que jogava videogame, caso de São Carlo Acutis, que morreu aos 15 anos.
“O Carlo desponta como o primeiro millennium canonizado. Ele era um jovem que amou a Deus, que ia para a igreja, fazia oração, se confessava e começou a amar os mais necessitados. A mãe do Carlo fala que ele chegava em casa sem casaco, sem tênis, porque doava para aqueles que precisavam”.
Neste ano, também foi canonizado Pier Giorgio Frassati, que morreu aos 24 anos, deixando um legado de generosidade. “São dois jovens totalmente diferentes, mas que se complementam. A fé do Carlo, as obras do Frassati. O que acaba sendo um sinal num mundo cada vez mais indiferente”, diz o padre.
A Pastoral Juvenil se torna um espaço para que os adolescentes possam falar e ser ouvidos. “É uma geração ansiosa, solitária, e isso eles trazem nas conversas. A gente tenta aconselhá-los sobre a importância de Deus, mas também do acompanhamento psicológico. A gente lançou o projeto Vai Ficar Tudo Bem, que busca levantar o maior número de psicólogos voluntários dentro da igreja para fazer uma rede de escuta. Porque, no fundo, é uma geração que sofre e não consegue ser escutada. Tem muitos dramas”.
O profissional que quiser se voluntariar pode entrar em contato por meio do perfil @pastoraljuvenilcg.
Acampamentos e amizades
Acampamentos e a influência dos amigos se destacam nos itinerários que levam a juventude para a igreja. A reportagem ouviu fiéis dessa faixa etária na Paróquia São João Bosco, que reuniu 114 adolescentes no evento “4º Juvenil”, encerrado no último fim de semana.
Vinda de família evangélica, a estudante Laureen Santos, de 14 anos, conta que recebe apoio da mãe.
“Ela respeitou e ficou feliz quando eu quis fazer acampamento. Porque eu nunca fui de ser muito da igreja. Depois do meu acampamento, tive um choque de realidade. Eu tentei deixar para trás muita coisa e me afastar de algumas pessoas, mas o que mais muda é a percepção de como ver as coisas”.
A estudante Yasmin Rocha, de 15 anos, afirma que começou a frequentar mais a igreja por influência dos amigos.

“A minha família é católica, mas não frequentava muito. Então, quando comecei a vir, foi até um incentivo para a minha família voltar”, diz a adolescente.
Sobre a nova rotina, Yasmin destaca que sente a vida mais tranquila, apesar das mudanças no círculo de amizades. “A minha vida ficou bem mais leve. Fiz novos amigos na igreja e está tudo bem melhor”.
Henrico Pertinhes, de 15 anos, afirma que a oração ganhou mais espaço em seu cotidiano e ele aprendeu a ver Jesus como um amigo.
“Eu comecei a ter uma rotina de oração muito maior, comecei a realmente conversar com Jesus. Antes, eu só pedia e agradecia muito pouco. Depois de um tempo, comecei a realmente falar com ele, conversar como se fosse meu amigo, chamando de irmão”.
Mateus Massocato, de 16 anos, reforça o amor de Deus. “Entendi o verdadeiro amor de Deus por nós, que somos jovens, mas já temos o discernimento do certo e errado. Estamos, a cada dia, tentando melhorar. As tentações do mundo são bastante complicadas, principalmente para nós, jovens. Em um fim de semana, eu poderia estar numa festa, bebendo, fumando, fazendo outro tipo de diversão. Mas eu optei por estar aqui servindo a Deus. São as tentações do mundo que tentam nos afastar do certo”.
“Em 2023, eu assisti um filme que era sobre a crucificação de Jesus. Ali, percebi que não tinha mais como viver a vida que vivia antes Então, eu decidi começar essa caminhada e tenho seguido na igreja”, diz Maria Luísa Portugal, de 15 anos.
Larissa Rezek, de 44 anos, coordenadora do setor externo do acampamento religioso, destacou que a vivência na igreja tem transformado a vida de muitos jovens. "A fé traz essa convicção do que realmente é importante para a nossa vida, o que realmente vai acrescentar".
A cientista de dados Mariana Aukar, de 28 anos, relata que participa da igreja desde os 15 anos.
“Você entende que a igreja é muito mais do que a missa ou o domingo. Ela faz parte do seu dia a dia. Das pessoas que você coloca na sua vida. Dos lugares que frequenta. Você começa a pensar o que te cabe e o que não te cabe. O que faz sentido e o que não faz".

Ela avalia que alguns jovens podem considerar que ir à igreja é brega. “Mas não é assim. Você encontra um monte de gente da sua idade”.
O bombeiro Lucas Erve, de 31 anos, rememora que já foi arredio à ideia de ser assíduo na igreja. Mas, quando participou do acampamento juvenil, passou a acompanhar o dia a dia da paróquia.
“Eu fiquei apaixonado pela experiência do próprio acampamento, da experiência com Deus e com as pessoas que estavam ali. Aquele ambiente, aquela energia toda, eram muito bons. E eu via todo mundo numa alegria, numa energia, numa intensidade muito interessante” .
Karla Checato, de 28 anos, analista de faturamento, conta que a fé transformou a sua vida. Inclusive, ela e o atual noivo se decidiram pelo casamento após a vivência na religião.
“Ele fez o acampamento e a gente despertou para o matrimônio, que gostaríamos muito de casar na igreja. Foi muito importante”.
Em Mato Grosso do Sul, a maioria segue a religião católica. Dos 2.350.132 habitantes ouvidos, 1.219.677 são católicos. Portanto, 51,8%. Os dados são do Censo Demográfico 2022: Religiões, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em junho deste ano.
Conforme o levantamento, o maior percentual de católicos está em Taquarussu (76,3%) e Vicentina (74,8%). Ou seja, a cada dez moradores, sete seguem o catolicismo. Em Campo Grande, 45,5% da população se declara católica.
A pesquisa ouviu pessoas com idade a partir de 10 anos. Os evangélicos aparecem em segundo lugar no Estado, com 763.096 pessoas.
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